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Moromania: como o tímido juiz da Lava Jato virou um popstar

Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio

03/04/2016 06h00

Aqueles que convivem com o juiz federal Sergio Moro, responsável pelos julgamentos da Operação Lava Jato, o descrevem como um sujeito discreto, pacato e reservado. Dizem que ele não se sente à vontade em grandes eventos públicos, nem gosta de dar entrevistas ou aparecer na televisão. Apesar disso, todos concordam: o magistrado é hoje uma das pessoas mais famosas de todo o país.

À frente das investigações de crimes relacionados à Petrobras, Moro tornou-se um dos focos de atenção do noticiário nacional em março de 2014, assim que a primeira fase da Lava Jato foi deflagrada. De lá para cá, mandou prender alguns dos mais importantes políticos e empresários brasileiros. Com isso, virou um símbolo do combate à corrupção e deu início à “moromania”.

A figura de Moro está hoje em todo lugar. Sua imagem e seu nome aparecem em camisetas e cartazes de manifestantes contra e favor do governo da presidente Dilma Rousseff (PT) e também em bonecos infláveis, produtos de grife e até ovos de Páscoa. Sua presença em palestras é cada vez mais disputada. Já suas aulas de direito na UFPR (Universidade Federal do Paraná) têm sido as das mais concorridas.

“O professor Moro dá aulas de direito penal e de uma disciplina focada no combate à lavagem de dinheiro. Conseguir uma vaga na turma dessa segunda disciplina ficou difícil de 2014 para cá. Falta vaga para tanto interessado”, contou Pedro Henrique Carvalho, estudante da UFPR e secretário do Centro Acadêmico de Direito. “Seu trabalho estimulou estudantes e tem cada vez mais gente querendo estudar direito penal por causa de Moro.”

Considerado por seus alunos um professor rígido, mas justo e acessível, Moro passou também a ser ainda mais admirado após o avanço da Lava Jato. Em 2015, foi escolhido como nome de turma na última formatura de direito da UFPR.

Líder influente e palestrante requisitado

O juiz Moro apareceu em março na lista dos 50 líderes mais influentes do mundo elaborada pela revista norte-americana "Fortune". Mesmo avesso às aparições públicas, tornou-se também um palestrante requisitado.

Só em março, o juiz federal falou sobre o combate à corrupção em dois eventos. Em São Paulo, palestrou para advogados e procuradores e foi monitorado por 12 seguranças. Em Curitiba, Moro discursou para empresários num almoço organizado pelo Lide (Grupo de Líderes Empresariais) do Paraná após negociar por um ano uma brecha em sua agenda.

Nesse evento, a capacidade de púbico foi esgotada. “Tínhamos 250 lugares e cerca de 350 empresários querendo assistir à palestra”, explicou a Karen Insaurrade, assessora empresarial do Lide. “Demorou mais de um ano para conseguirmos trazê-lo num de nossos almoços. Em março de 2015, ele esteve num almoço em São Paulo. Agora, esteve no nosso evento em Curitiba.”

Acampamento de apoiadores à porta do tribunal

Moro vive e trabalha em Curitiba. Nasceu em Maringá (PR), em 1972, formou-se em direito pela universidade estadual de sua cidade natal em 1995 e, no ano seguinte, foi aprovado no concurso para juiz. Trabalhou em varas federais de cidades do Sul do país até assumir a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, onde tramitam os processos da Lava Jato.

Funcionários da Justiça da capital paranaense dizem que Moro é um juiz dedicado, que cumpre horários e mantém uma rotina regrada. Por causa da Lava Jato, ele passou a esticar suas jornadas de trabalho com mais frequência. Teve também que abandonar o hábito de pedalar para ir e voltar do tribunal por questões de segurança e para evitar tumultos.

Depois que o juiz ganhou notoriedade, é comum que admiradores façam plantão em frente ao tribunal para tentar cumprimentá-lo. Após a divulgação das gravações de ligações entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, mais de dez pessoas acamparam em frente à sede da Justiça Federal para apoiar ao juiz.

“Ele evita parar e dar atenção porque hoje tudo tem muita repercussão”, disse um funcionário da Justiça Federal que quis não se identificar. “Ele também é muito tímido. É o seu jeito.”

Destaque controverso

A notoriedade de Moro é controversa no meio jurídico. Colegas do juiz e outros profissionais do direito reconhecem que ele até evita se expor. Consideram, porém, a exposição inevitável devido à importância que a Lava Jato ganhou.

Acontece que, com o destaque, surgem também as críticas. Depois que a Lava Jato avançou e sua repercussão também, a atuação de Moro no caso virou tema de reclamações de réus e até da sociedade civil.

Fausto De Sanctis, juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, conhece esse tipo de queixa. Enquanto trabalhou na 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, ele julgou e autorizou em algumas das maiores operações contra corrupção e lavagem já realizadas no país. Atuou no caso MSI/Corinthians, na Operação Castelo de Areia e até na Operação Satiagraha.

Segundo De Sanctis, a fama traz com ela um risco. Admirado, o juiz pode ignorar que também é passível de erro -- o que já é um equívoco em si. “É preciso fazer um exercício muito frequente de espelho. Não se pode perder o chão. Quando a pessoa fala 'eu sou o cara', começa a ter sua atuação comprometida”, explicou.

De Sanctis evita comentar a atuação de Moro na Lava Jato. Disse, contudo, que ele é um magistrado que está alinhado com uma nova forma de atuação do Judiciário. Essa "nova Justiça" tende a ser mais ativa e, assim, ganhar importância na definição dos rumos do país.

“É inevitável que o Judiciário assuma o protagonismo na democracia moderna. Não é que Moro seja muito ativo. O que acontecia é que o Poder Judiciário estava ausente, e ele precisa estar presente”, comentou.