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Evitadas nas eleições de 2014, reformas polêmicas ganham força com Temer

Temer comanda reunião ministerial; presidente interino lidera reformas polêmicas - Evaristo Sá - 13.mai.2016/AFP
Temer comanda reunião ministerial; presidente interino lidera reformas polêmicas Imagem: Evaristo Sá - 13.mai.2016/AFP

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

02/06/2016 06h00

Já nestas primeiras semanas do governo interino de Michel Temer, o PMDB e seus aliados começam a tentar levar adiante propostas polêmicas presentes no documento “Ponte para o futuro”, divulgado pela sigla em dezembro, como a revisão de programas sociais e mudanças nas regras da aposentadoria.

Estas e outras ideias encampadas pela legenda no documento, por si só, motivariam reação negativa de diversos setores da sociedade, segundo pesquisadores ouvidos pelo UOL que acompanham a crise política atual. 
 
De acordo com os entrevistados, o fato de tais medidas não terem sido defendidas nos programas eleitorais dos candidatos que lideraram a preferência da população nas eleições de 2014 -- Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) -- tem a ver justamente com o teor explosivo das mesmas e é um agravante que pode reforçar a oposição a elas, seja no Congresso, seja nas ruas. 
 
Um levantamento feito pelo UOL mostra que nem Dilma, nem Aécio defenderam em 2014, ao menos no papel, a mudança na idade mínima da aposentadoria; a desvinculação de gastos constitucionais (gastos mínimos obrigatórios em áreas como Saúde e Educação); cortes em programas sociais, como o Bolsa Família; ou o fim da indexação de benefícios ao salário mínimo (aumento da aposentadoria na mesma proporção do salário mínimo, por exemplo), entre outras ideias que o PMDB sugeriu no “Ponte para o futuro” como “uma necessidade, e quase um consenso, no país”.

Propostas já foram testadas, diz fundação

A assessoria de imprensa da Presidência interina foi contatada por email (3 vezes) e por telefone (4 vezes) desde o dia 24 de maio para responder os questionamentos sobre o Ponte para o Futuro. O UOL perguntou se o governo não considera que terá dificuldades para viabilizar as propostas.

Em nota, a Fundação Ulysses Guimarães, instituição de formação política do PMDB e responsável pela publicação do "Ponte para o Futuro", afirmou que o documento não se trata de um programa de governo. A entidade disse entender que o texto "traz medidas necessárias para que o Brasil saia da crise. O texto não cria fórmula nova para a economia. As propostas ali listadas já foram testadas no país, no passado, com êxito."
 
Programa de governo ou não, algumas das medidas sugeridas no “Ponte para o futuro”, como a revisão de programas sociais e mudanças no regime da previdência, já estão sendo colocadas em prática ou ao menos defendidas pelo governo interino.
 
São exemplos o corte anunciado na quarta-feira (18) no Minha Casa, Minha Vida; as propostas de revisão no funcionamento do Bolsa Família divulgadas pelo ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, e pelo economista Ricardo Paes de Barros, responsável pelas propostas do partido para a área social; e a sugestão de idade mínima para aposentadoria de 65 anos, para homens e mulheres, feita pelo ministro da Fazenda e Previdência, Henrique Meirelles -- o que inclusive vai além da ideia de 60 anos para mulheres e 65 para homens presente no "Ponte para o futuro".
 

Medidas "altamente impopulares"

Para o cientista político Carlos Ranulfo, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), as propostas do PMDB podem ter dificuldades não pelo fato de não terem sido debatidas nas eleições, mas por serem “altamente impopulares” e defendidas por um governo “que não foi eleito por ninguém”.

“É claro, o fato de [o “Ponte para o futuro”] não ter sido discutido hora nenhuma aumenta o problema, mas o problema maior é o teor delas em um período muito curto de tempo com uma parcela da população que não reconhece a legitimidade do Temer e num momento em que a Câmara passa por uma crise brutal. Não é todo dia que você afasta o presidente da Câmara”, disse o professor da UFMG, citando o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

“Sociedade brasileira precisa encarar esses temas”

A historiadora Dulce Pandolfi, pesquisadora da estrutura política brasileira e professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas), afirmou que Temer traz um governo que “não tem a ver com a proposta que a população elegeu” em 2014.

Ao mesmo tempo, o Congresso “não está sensível, não representa a maioria”. Dulce lembrou que mesmo movimentos sociais simpáticos a Dilma já vinham questionando as políticas adotadas pelo governo afastado.

“Quando a Dilma tem que fazer um recuo econômico depois da eleição, os movimentos já começaram a chiar com um governo que era aliado deles. Você imagina um governo que vai entrar exatamente com outra percepção sobre políticas sociais, sobre direitos”, disse.

Segundo o economista Mauricio Bugarin, professor da UnB e responsável por um grupo de pesquisa sobre economia e política, qualquer governo que quiser fazer reformas mais profundas no Brasil enfrentará dificuldades.

Para Bugarin, as propostas de Temer deverão ter apoio de “instituições, acadêmicos, empresários e talvez até sindicalistas”, mas o professor diz não ter dúvidas de que movimentos ligados ao governo do PT e o próprio partido farão de tudo para dificultar as reformas propostas pelo PMDB.

O economista vê o fato de tais reformas não terem sido incluídas nos programas de governo de Dilma e Aécio em 2014 como fator de uma corrida eleitoral muito polarizada.

“Cada partido tinha que fazer promessas melhores para se tornar mais competitivo aos olhos do eleitorado. Portanto, nesse processo, fugia-se dessas questões mais profundas, como essas reformas, porque elas envolvem mudanças que vão afetar negativamente alguns grupos. Então, numa campanha política, sobretudo mais competitiva, evitam-se os temas mais delicados”, disse Bugarin.

“É até uma oportunidade que a gente tem. A sociedade brasileira tem que enfrentar esses temas e discuti-los.” 

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