Romano vê "encenação" no Senado e diz que Renan é "artista perfeito"
Comparada ao teatro desde a Grécia Antiga, a política ofereceu ao Brasil um espetáculo tragicômico durante a tramitação e o julgamento do impeachment. Para Roberto Romano, doutor em filosofia e professor de Ética Política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a encenação, ou melhor, o processo não mudará em nada a forma de fazer política no país, e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), artífice da manutenção dos direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), é o "artista perfeito" desse cenário.
Confira os principais trechos da entrevista de Roberto Romano ao UOL.
UOL - O que o impeachment muda na forma de fazer política no Brasil?
Roberto Romano - Não muda nada. O impeachment com votação fatiada da pena da presidente já mostra que foi reiterado no Senado aquele tipo de prática, de acerto que define a tradição da política congressual brasileira. É o famoso “é dando que se recebe”. [O presidente do Senado] Renan Calheiros (PMDB-AL) teve um senso de oportunidade extremamente aguçado. Abrindo essa perspectiva, os partidários de Eduardo Cunha [deputado federal pelo PMDB-RJ] e Renan Calheiros estão se precavendo caso venha uma condenação [contra eles] pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado [ambos são investigados na operação Lava Jato]. Temos aí a velha prática do acerto entre oligarcas e donos de partidos e a Presidência da República tendo que engolir. O fato que levou ao impeachment é [a ex-presidente] Dilma Rousseff não ter a “expertise”, o “know how” da política brasileira. Ela pensou que a relação com o Congresso funcionaria como repartição pública, como uma relação de “eu mando, vocês obedecem”.
Haverá mais impunidade de políticos?
A tendência é essa [haver mais impunidade]. O problema é ninguém sabe o que Cunha guarda no baú. Ele está agindo de forma heterodoxa desde o governo [Fernando] Collor [1990-1992], tem muitos segredos e é um mestre na arte de manipular. Ninguém sabe se ele tem algo sobre o alto escalão do Executivo, do Judiciário e sobre os parlamentares. Ele é como um jogador de pôquer extremamente frio. Os adversários e aliados dele têm muito receio de acuá-lo ainda mais porque ele pode ser perigoso.
Parece não existir poder no Brasil sem o PMDB e agora o partido assume a Presidência. O que é o PMDB?
O PMDB é dos poucos partidos brasileiros que tem uma história de enraizamento nos municípios e regiões que lhe garante uma percentagem de senadores, deputados e prefeitos. Depois da experiência traumática do governo José Sarney, não teve condições de apresentar candidato [competitivo] a presidente. Ele instalou no Poder Legislativo seu campo de manobra. E aí ele se torna quase imbatível. Faz tudo para manter seu espaço no poder. Sempre que um presidente se esquece disso ele [o presidente] se dá mal.
O PMDB é dirigido por oligarcas regionais, que fazem todo tipo de acerto para manter-se numa situação de força e trocar benesses com o poder executivo federal. É um partido pragmático.
Qual é a linha econômica do PMDB?
Nesse ponto, o partido se divide. Tem tendências, não possui uma visão única. Ele tende a apoiar políticas que não lhe tragam problemas com a indústria, o comércio e o mundo financeiro. Tem um relacionamento razoável, não muito profundo, com o mundo sindical.
Como Michel Temer se comportará na presidência? O que esperar de seu governo?
Temer será um governo fraco, mais fraco ainda que o [governo] de [José] Sarney [1985-1990], sobretudo porque Sarney era um oligarca que tinha uma rede de cumplicidades em todo o Brasil. Temer é herdeiro do PMDB paulista que tinha a feição de Orestes Quércia [ex-governador de São Paulo]. Ele não é um elemento forte dentro do PMDB e não tem o perfil de líder carismático. Ele não tem nada de carisma. Vai ter de administrar ministérios que não contam com direção capacitada tecnicamente. Por exemplo, é escandaloso o caso da Ciência e Tecnologia, assim como os da Educação e Saúde. Em ministérios importantes, ele não conta com gente capacitada tecnicamente. E o governo federal está com o caixa esgotado. Ou ele retira direitos trabalhistas ou aumenta impostos. O aumento de impostos desagradaria a indústria, o comércio e o setor financeiro. Retirar direitos vai dar problema com sindicatos e movimentos sociais. É difícil administrar essa diferença. E dois anos de governo é pouco para se capacitar e dominar o Estado brasileiro. É uma tarefa hercúlea.
O PMDB e seus atuais aliados estão preocupados em combater a corrupção na política ou estão se armando para encobrir e minimizar os efeitos de desvios?
Ultrapassa a capacidade de qualquer partido deter a operação Lava Jato. O que eles estão fazendo é criar leis que inibam punições aos acusados de corrupção, como aconteceu na Itália após a operação Mãos Limpas. Tem uma série de projetos no Congresso que são tentativas, não de barrar a Lava Jato, mas de atenuar ao máximo seus efeitos.
O que representa a cena de Dilma e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) se cumprimentando no Senado?
Na política, você tem a necessidade de não hostilizar quando está fragilizado. Os dois estão caminhando em corda bamba. Ali somou tudo. Aquela cena é muito típica do drama da política.
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