Topo

Barroso diz que juiz deve ouvir "sentimento social" e que STF está na "fogueira das paixões políticas"

29.mar.2018 - Ministro Luís Roberto Barroso participa de lançamento de livro em SP - Joel Silva / Folhapress
29.mar.2018 - Ministro Luís Roberto Barroso participa de lançamento de livro em SP Imagem: Joel Silva / Folhapress

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

02/04/2018 20h19Atualizada em 02/04/2018 21h49

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso afirmou na noite desta segunda-feira (2) que a Suprema Corte brasileira entrou na “fogueira das paixões políticas” porque tem uma competência que cortes constitucionais de outros países não possuem: atuar como “tribunal criminal de primeiro grau”, isto é, julgar casos de pessoas com foro privilegiado. O ministro é um crítico declarado deste tipo de benefício.

As declarações foram dadas nesta noite no lançamento do livro “A razão e o voto: diálogos constitucionais com Luís Roberto Barroso”, na Livraria Cultura, do Conjunto Nacional, em São Paulo. O ministro foi bastante aplaudido pela plateia durante palestra anterior à sessão de autógrafos.

“O que complica um pouco o debate brasileiro é que o STF tem uma competência que a maior parte das cortes constitucionais não tem, que é de funcionar como tribunal criminal de primeiro grau, que de certa forma acaba colocando o Supremo nessa fogueira das paixões políticas”, disse o ministro ao afirmar que a fronteira entre direito e política está menos nítida em todo o mundo e que esse não é um debate apenas brasileiro. “Esse é o debate acadêmico do momento”, acrescentou.

Barroso atualmente é relator do inquérito do chamado "decreto dos portos", em que o presidente Michel Temer (MDB) é um dos investigados. No fim de semana, o ministro autorizou prender e depois mandou soltar dois dos mais antigos amigos e colaboradores do emedebista: o coronel aposentado da PM (Polícia Militar) João Baptista Lima Filho, 75, e o ex-deputado federal e advogado José Yunes, 81.

Leia também:

No evento desta noite, Barroso também falou sobre o papel do Judiciário. Ele afirmou que a Suprema Corte brasileira precisa interpretar a Constituição em “sintonia com o sentimento social”, ao defender o caráter representativo do STF. 

"Juiz tem que construir essas soluções criativas e argumentativamente. É contingência dessa pluralidade. Não pode fazer por seu sentimento pessoal, precisa interpretar o sistema constitucional, escutar o sentimento social e construir solução constitucional adequadamente", afirmou ele.

“Numa democracia, todo poder é representativo, ou seja, é exercido em nome do povo e em interesse da sociedade. Consequentemente, a sociedade, via Constituição, deu poder à Suprema Corte, mas não é um poder para ela exercer por vontade própria. É preciso interpretar a constituição em sintonia com o sentimento social”, disse.

Julgamento de Lula

As declarações de Barroso vêm na mesma semana em que ele e seus colegas deverão julgar, na quarta-feira (4), um pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para se manter em liberdade até que seu processo do tríplex do Guarujá seja julgado em todas as instâncias. O petista foi condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro e, segundo entendimento do próprio STF, já poderia ser preso.

Além do caso específico de Lula, o STF tem sido pressionado a pautar outras duas ações que tratam do tema da prisão após condenação em segunda instância. Barroso já votou a favor da medida em julgamento de 2016 e tem se mostrado favorável a manter esse entendimento.

Hoje, ele não falou sobre a sessão plenária marcada para a quarta-feira que deve decidir o destino do pré-candidato do PT à Presidência da República, mas salientou que o STF não deve atender ao “clamor público” quando ele viola a Constituição. Disse ainda que, seja qual for a decisão do STF, ela precisa ser legítima e justificada, sob o risco de enfraquecer e perder o prestígio.

“Supremas cortes não têm armas, nem têm a chave do cofre, portanto a sua autoridade e a sua credibilidade estão na sua capacidade de demonstrar para a sociedade que suas decisões e escolhas são legítimas e se justificam. Se a Suprema Corte perder a capacidade de justificar perante a sociedade suas decisões e de legitimá-las, elas se enfraquecem, perdem prestígio e perdem autoridade", afirmou.

Nesta noite, o ministro ainda comparou a atuação de magistrados à profissão de um acrobata. "Somos acrobatas atravessando corda bamba, tomar decisões. Vira mais para esquerda, mais para direita, mas estamos nos equilibrando. Não importa se estamos na plateia ou no palco. O equilibrista tem que saber que ele está se equilibrando. Se ele achar que está voando, ele vai cair".

Você é uma pessoa horrível, diz Barroso a Gilmar Mendes

UOL Notícias