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Mudar prisão após 2ª instância aumentaria impunidade e prejudicaria a Lava Jato?

Processo de Lula interferiu na discussão sobre prisão?

UOL Notícias

Janaina Garcia e Paula Almeida

Do UOL, em São Paulo

15/04/2018 04h00

Adiada na quarta-feira (11) pelo ministro Marco Aurélio Mello a análise pelo STF (Supremo Tribunal Federal) de duas ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) que questionam as prisões após condenação em segunda instância, uma possível mudança no atual entendimento da Corte sobre o caso divide juristas a respeito do impacto no combate à impunidade no país e no andamento da Operação Lava Jato.

O UOL conversou sobre o julgamento com o professor João Paulo Martinelli, doutor em Direito Penal pela USP (Universidade de São Paulo) e pós-doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, e com a advogada constitucionalista e mestre em administração pública Vera Chemim.

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Para Martinelli, que é também sócio do escritório Urbano Vitalino Advogados, a antecipação da pena antes do trânsito em julgado não é “a melhor solução para combater a impunidade”.

“Primeiro, porque não é uma solução única, de uma hora para outra, que vai resolver o problema”, afirmou o advogado. De acordo com ele, outros problemas estariam diretamente ligados ao combate à impunidade: “A própria estrutura de investigação por parte da polícia, a falta de investimento do Estado na polícia, o Judiciário entupido de processos e a grande demora no julgamento das ações penais – que se dá principalmente pelo grande volume de processos em tramitação e onde o maior demandante, há muito tempo, é o Estado. Mais de metade das ações que correm na Justiça são demandas da Caixa Econômica, do INSS, de estados, municípios...”, elencou.

“Existem várias outras causas, por exemplo, o número reduzido de dias úteis de funcionamento do Judiciário e a falta de investimento em tecnologia”, complementou. “Não é reduzindo ou retirando direitos fundamentais, como o da presunção de inocência”.

Para a advogada Vera Chemim, no entanto, sob a perspectiva constitucional, a prisão em segunda instância “resolve, de certa maneira, ou ao menos diminui, a porcentagem de impunidade no país.”

“O pano de fundo nesse sentido é que o novo Código de Processo Civil, na sua proposta original, havia prometido que haveria uma significativa redução de recursos para que o processo seja abreviado do ponto de vista processual. Como isso não ocorreu, temos várias consequências danosas no âmbito jurídico”, destacou.

Para Chemim, não aceitar a prisão em segunda instância seria um modo de se beneficiar, por exemplo, réus com maior poder aquisitivo. “A partir do momento em que temos um réu rico, relativamente, e um pobre, o rico poderá fazer face de todos esses recursos. Um caso bastante gritante é o do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), que se serviu de todos esses recursos, até porque, é um direito do réu. Alguns crimes prescreveram e agora o preso tem idade avançada e patologias graves”, citou. “Temos uma jurisprudência do STF firmada a partir de 2016 e que deve ser respeitada”.

Por que o STF tem dificuldade em resolver essa questão?

Apesar de terem opiniões divergentes sobre a prisão após condenação em segunda instância, os especialistas ouvidos pelo UOL concordam que o excesso de processos parados no STF faz com que a Corte não tenha tempo de julgar ações que poderiam ter maior relevância. “Nós temos um Supremo que deveria julgar apenas questões constitucionais e acabou virando um tribunal recursal. E também é um tribunal criminal”, observou Chemin. Ela pontua, ainda, que as divergências entre os ministros têm causado uma “insegurança jurídica”. Martinelli, por sua vez, lembra que as ADCs já poderiam ter sido pautadas há quase dois anos, mas que a ministra Cármen Lúcia, como presidente da Corte, tem resistido em levá-las ao plenário.

Por que o STF tem dificuldade em resolver essa questão?

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Quais os riscos de uma mudança na regra atual para a Lava Jato?

Os advogados divergem sobre qual seria o impacto na Lava Jato caso as ADCs fossem acolhidas e o STF proibisse a prisão após condenação em segunda instância. Martinelli lembrou que diversos presos da Lava Jato estão detidos por prisão preventiva, e não por condenação após segunda instância. Esses nomes, portanto, não seriam soltos. Vera Chemin, porém, ressalta que o clamor público exige condenações mais céleres contra condenados da operação por se tratarem de crimes contra a administração pública. No entanto, ambos reconhecem mais uma vez que o maior problema da Lava Jato hoje é a morosidade da justiça brasileira.

Mudança na regra da prisão após 2ª instância prejudicaria Lava Jato?

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O processo e a prisão de Lula interferiram na discussão?

O caso do ex-presidente Lula e sua prisão decretada pelo juiz Sergio Moro foram fundamentais para o acirramento das discussões sobre cumprimento da pena após condenação em segunda instância, dizem os especialistas. Martinelli destaca que se as ADCs sobre o tema tivessem sido pautadas antes da condenação do ex-presidente ainda na primeira instância, o assunto estaria “pacificado” e não suscitaria maiores questionamentos neste momento. Para Vera Chemin, só uma interferência do Poder Legislativo, com a criação de uma emenda constitucional, colocaria fim às discussões. “É necessário colocar um ponto final nesse tema até para se evitarem essas polarizações que estão havendo justamente em função do caso Lula e de outros casos à direita”, disse a advogada.