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Ataques e 'fake news' rebaixam Brasil em ranking de liberdade de expressão

21.abr.2020 - Bolsonaro critica a imprensa e dá uma banana para os jornalistas; ONG considera ataques do presidente a jornalistas como risco à democracia - Daniel Carvalho/Folhapress
21.abr.2020 - Bolsonaro critica a imprensa e dá uma banana para os jornalistas; ONG considera ataques do presidente a jornalistas como risco à democracia Imagem: Daniel Carvalho/Folhapress

Juliana Arreguy

Do UOL, em São Paulo

29/07/2021 06h00

Resumo da notícia

  • Relatório da ONG Artigo 19 aponta o Brasil em situação restrita de liberdade de expressão
  • País é o 86º em ranking com 161 países
  • Políticas de desinformação e ataques à imprensa contribuíram para nota baixa
  • Em 10 anos, Brasil foi o país da América Latina que mais retrocedeu em critérios de liberdade de expressão

Nos últimos dez anos, o Brasil foi o país da América Latina que mais regrediu em termos de liberdade de expressão, com campanhas de desinformação chanceladas pelo governo federal e ataques à imprensa que não eram vistos desde a ditadura militar (1964-1985). A avaliação é da ONG Artigo 19, que publica hoje (29) o Relatório Global de Expressão com dados de 2020 relativos a 161 países.

Em 86º lugar no ranking, o Brasil foi o país latino-americano que mais perdeu pontos frente ao relatório de 2019. Pelo segundo ano consecutivo, é visto como um local "restrito" à liberdade de expressão, classificação observada pela ONG como um alerta à democracia.

"Nos últimos cinco anos, o Brasil deixou de ser um dos países com maior pontuação mundial [de liberdade de expressão] para ser considerado uma crise de democracia e expressão — e agora também uma crise de saúde pública. O Brasil é a perfeita avalanche contemporânea de problemas de expressão: populismo autocrático, desinformação, desigualdade severa e controle tecnológico. A pandemia consolidou as tendências observadas no último ano", diz trecho do relatório.

Em outro documento publicado este ano, a Artigo 19 já havia alertado para as práticas de desinformação utilizadas pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) para confundir a população sobre temas sensíveis à administração, como o combate à pandemia de covid-19. A privação à informação de interesse público, como o apagão de dados sobre casos e mortes de coronavírus que levou à formação do consórcio de veículos de imprensa, é vista como um dos indícios de queda na liberdade de expressão do país.

Muitos governos pareceram mais interessados em controlar a narrativa do que em controlar o próprio vírus."
Relatório Global de Expressão de 2020

A ONG calcula que, durante o ano de 2020, Bolsonaro emitiu 1.682 declarações falsas ou enganosas — média de 4,3 declarações por dia — e defendeu tratamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus em pelo menos 28 ocasiões. Levantamento feito pelo UOL Confere mostrou que, ao falar sobre a pandemia em um intervalo de três meses entre março e junho, Bolsonaro deu ao menos 30 declarações falsas, 14 sem contexto ou distorcidas e seis imprecisas.

A Artigo 19 também registrou 464 ataques à imprensa, feitas tanto pelo presidente quanto por políticos próximos. Muitos ocorreram de forma virtual e tiveram jornalistas mulheres como alvo. Recentemente, o advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef, enviou mensagens atacando a colunista do UOL Juliana Dal Piva.

Esse nível de agressão pública não era visto desde o fim da ditadura militar. A crescente hostilidade social contra jornalistas e seus efeitos desencorajadores não devem ser subestimados."
Relatório Global de Expressão de 2020

Relatório Global de Expressão 2020/2021 - Artigo 19 - Relatório Global de Expressão 2020/2021 - Artigo 19 - Relatório Global de Expressão 2020/2021 - Artigo 19
Pontuação do Brasil em ranking de liberdade de expressão nos últimos 10 anos
Imagem: Relatório Global de Expressão 2020/2021 - Artigo 19

Liberdade de expressão cai em todo o mundo

O relatório aponta que 4,9 bilhões de pessoas — cerca de dois terços da população mundial — vivem em países que foram classificados como ambientes altamente restritos ou em crise quanto à liberdade de expressão. Os lugares mais bem cotados são Dinamarca, Suíça, Noruega, Suécia e Finlândia. Os de pior desempenho são China, Síria, Turcomenistão, Eritreia e Coreia do Norte.

Para criar o ranking, a Artigo 19 atribui aos países notas que vão de 0 a 100; quanto maior a nota, maior a liberdade de expressão no país. Os valores são calculados a partir de 25 critérios, que incluem censura online, assédio a jornalistas, liberdade religiosa, leis de acesso à transparência e liberdade de expressão para homens e mulheres.

A partir das notas, os países são divididos em cinco categorias que remetem à situação de liberdade de expressão, como mostra o mapa abaixo:

  • 1) Em crise (0 a 19)
  • 2) Altamente restrita (20 a 39)
  • 3) Restrita (40 a 59)
  • 4) Menos restrita (60 a 79)
  • 5) Aberta (80 a 100)
Mapa mundi mostra situação da liberdade de expressão em cada país - Relatório Global de Expressão 2020/2021 - Artigo 19 - Relatório Global de Expressão 2020/2021 - Artigo 19
Mapa mundi mostra situação da liberdade de expressão em cada país
Imagem: Relatório Global de Expressão 2020/2021 - Artigo 19

Desde o ano passado, o Brasil se encontra na categoria "restrita", junto de nações como Mianmar (97º), Quirguistão (95º), Haiti (82º) e Afeganistão (79º). Na América Latina, o Uruguai (9º) e a Argentina (21º) foram as nações que melhor pontuaram.

A métrica foi reformulada em relação aos anos anteriores para incluir medidores relativos à covid-19. Para facilitar as comparações, a ONG recalculou as pontuações dos países nos últimos dez anos de acordo com o novo índice. Com isso, a pontuação do Brasil no ano passado, que foi de 46, passa a ser 54.

O relatório comparou a mudança de posição dos países no ranking nos intervalos de um ano (entre 2019 e 2020), de cinco anos (2015 a 2020) e dez anos (2010 a 2020).

Apesar de estar à frente de outros países da América Latina no ranking — como Bolívia (87º), Venezuela (138º), Nicarágua (140º) e Cuba (152º), o Brasil foi o que mais perdeu pontos no índice nos últimos dez anos. Com redução de 36 pontos, o país teve maior redução que Nicarágua (-31), Bolívia (-25), El Salvador (-23) e Venezuela (-20).

Em comparação ao resto do mundo, nos últimos cinco anos o Brasil só não perdeu mais pontos (-33) do que Hong Kong (-34). Já no cálculo dos últimos dez anos, o Brasil ficou atrás apenas de Hong Kong (-47) e Índia (-38).