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O insulto à Fifa ajuda ou prejudica o presidente do Uruguai?

O presidente uruguaio, José Mujica, compareceu ao Estádio Centenário para amistoso entre Uruguai e Eslovênia - Miguel Rojo/AFP
O presidente uruguaio, José Mujica, compareceu ao Estádio Centenário para amistoso entre Uruguai e Eslovênia Imagem: Miguel Rojo/AFP

Gerardo Lissardy

No Rio de Janeiro

01/07/2014 18h31

Foram apenas dez palavras que o presidente uruguaio José Mujica usou para insultar os dirigentes da Fifa. Mas elas ecoaram pelo mundo, colocando em uma situação peculiar um presidente atípico em si mesmo.

"A Fifa é um bando de velhos filhos da p…", afirmou Mujica a um jornalista que chegava com a seleção uruguaia ao aeroporto de Montevidéu na noite de domingo, após a eliminação na Copa do Mundo.

O mandatário expressava sua indignação com a pena imposta pela entidade ao goleador uruguaio Luis Suárez por morder um rival italiano. Ele foi suspenso por nove partidas e afastado por quatro meses do futebol – proibido até de ir a estádios.

"Podiam tê-lo sancionado, mas não com sanções fascistas", disse Mujica.

A entrevista dele circulou em veículos de imprensa e redes sociais na segunda-feira, mesmo dia em que Suárez se desculpou pela mordida em Giorgio Chiellini.

Futebol e política formam uma mistura que costuma causar problemas ou benefícios a governantes da região. Agora que Mujica recorreu a essa combinação a pergunta é: quais efeitos ela terá para ele?

Gols a favor

A suspensão de Suárez comoveu o Uruguai, um país com uma população de apenas 3,3 milhões – cuja paixão pelo futebol ajudou o país a forjar uma identidade nacional e se destacar internacionalmente.

Suárez é considerado o principal atacante uruguaio, e sua mordida em Chiellini dividiu a torcida no país. Mas o castigo imposto pela Fifa pareceu gerar rapidamente um consenso sobre a ideia de que teria sido excessivo.

Houve "certa sensação de que o Uruguai foi um pouco vítima de uma conspiração", disse Adolfo Garcé, pesquisador de ciência política da Universidade da República (Udelar) em Montevidéu.

"Tem sido muito difícil encontrar no Uruguai nos últimos dias posições moderadas", disse ele à BBC Mundo. "A maioria das pessoas reagiu como Mujica".

Ficar sintonizado com os sentimentos da maioria do povo é sempre um desafio para um presidente. Se o uruguaio conseguiu fazer isso, talvez sua imagem tenha se beneficiado pelo que falou – talvez essa tenha sido sua intenção desde o início.

Mas, após lançar o insulto, Mujica fez um gesto de arrependimento – ainda que tenha dito que não se incomodava quando o jornalista perguntou a ele se podia difundir sua declaração.

Neste ano há eleições no Uruguai. Apesar de a Constituição impedir a reeleição de Mujica, a coalizão de esquerda da qual ele faz parte enfrenta o desafio de continuar no poder frente a uma oposição renovada.

O candidato governista é o ex-presidente Tabaré Vázquez (2005-2010).

Daniel Chasquetti, professor do Instituto de Ciência Política na Universidade Udelar, afirmou não acreditar que exista uma estratégia por trás do que Mujica disse. “Todos o entendem porque todos gostam de futebol”.

A imagem e a credibilidade da Fifa foram prejudicadas por uma série de denúncias de corrupção e enfrentar uma entidade nessas condições poderia ser favorável à Mujica – cujo estilo de vida austero rendeu simpatizantes em todo o mundo.

"Para um país pequeno como o Uruguai, a ideia de ter um inimigo externo que queira te pressionar dá muito resultado”, disse Chasquetti. “É um inimigo quase perfeito".

Gols contra

Mujica também criou uma imagem internacional de moderação, que lhe rendeu comparações com o ex-presidente sul-africano Nelson Mandela.

Mas essa imagem baseada em sua defesa da democracia após três anos de prisão durante um governo militar (1973-1985) ou da legalização da maconha como alternativa à guerra contra as drogas pode ter sido manchada com essa polêmica.

Marcelo Coutinho, um professor da Universidade federal do Rio de Janeiro, especialista em América latina, lembrou que esta foi a terceira vez que Suárez foi suspenso por morder um adversário.

"Quando um presidente, usando palavrões, critica um castigo a um comportamento recorrente e errado como o desse atleta, demonstra uma atitude antiética e gera uma imagem negativa, que não é compatível com a que ele vinha demonstrando de moderação e liderança moderna", afirmou.

Algumas declarações de Mujica como presidente já geraram polêmica antes, como quando insultou a presidente Cristina Kirchner em uma entrevista sem saber que era gravado: "Esta velha é pior que o vesgo (Néstor Kirchner)". Mas tarde ele pediu desculpas.

A oposição voltou a criticar Mujica, afirmando que as palavras usadas por ele são incompatíveis com a figura de um presidente.

Porém, segundo pesquisas recentes Mujica mantém níveis de popularidade acima de 50% no último ano e suas palavras contra a Fifa foram apoiadas por figuras moderadas da esquerda uruguaia.