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Dilma vai a primeira cúpula regional após acerto Cuba-EUA

João Fellet

Enviado especial da BBC Brasil a San Jose (Costa Rica)

28/01/2015 10h08Atualizada em 28/01/2015 10h21

A presidente Dilma Rousseff participa, a partir desta quarta-feira (28), do primeiro encontro que testará o impacto na América Latina da retomada das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, anunciada em dezembro.

Em San José, capital da Costa Rica, ela se reunirá até a quinta-feira com os demais chefes de Estado da Celac (Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos), bloco cuja fundação, há três anos, ajudou a romper o isolamento de Cuba na região. Espera-se que o presidente cubano, Raúl Castro, compareça ao evento.

A reunião ocorrerá ainda num momento em que a Celac começa a testar sua unidade, ao negociar em bloco com outros atores internacionais. Neste mês houve o primeiro encontro Celac-China, em Pequim, e em junho a organização se reunirá pela primeira vez com a União Europeia, em Bruxelas.

Saudada por vários líderes regionais, entre os quais Dilma, a reaproximação entre Cuba e os Estados Unidos deverá esfriar a retórica antiamericana que rondou os últimos encontros do bloco.

A própria fundação da Celac, no fim de 2011, foi encarada como um desafio ao papel dos Estados Unidos na região. A organização, que agrega todos os países das Américas exceto EUA e Canadá, é vista como um contraponto à Organização dos Estados Americanos (OEA), que inclui os dois países e é frequentemente acusada por governos à esquerda de servir a interesses americanos no hemisfério.

A Celac tem como principais focos o diálogo político e a cooperação entre seus membros, dando menos ênfase à economia e ao comércio.

Melhoria de imagem

Para Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV-SP, ao reatar os laços com Cuba, os Estados Unidos também buscavam melhorar sua imagem no resto das Américas.

"É um passo que vai mudar a dinâmica das relações na América Latina e Caribe e, a princípio, dará aos Estados Unidos a possibilidade de estabelecer comunicação com todos os países da região", disse Stuenkel à BBC Brasil.

Em seu último discurso sobre o Estado da União, na semana passada, o próprio Obama afirmou que "nossa mudança na política para Cuba tem o potencial de encerrar um legado de desconfiança no nosso hemisfério".

Nos últimos encontros regionais a que compareceu, entre os quais a cúpula da OEA na Colômbia, em 2012, o presidente americano foi duramente pressionado a por fim ao embargo comercial a Cuba e a aceitar a presença de Havana na próxima reunião do bloco, no Panamá, em abril deste ano.

O encontro no Panamá deverá ser a primeira cúpula regional em 54 anos em que os líderes de Estados Unidos e Cuba estarão presentes no mesmo plenário de debates. Apesar da retomada das relações diplomáticas, o embargo comercial americano a Cuba continua em vigor - seu fim depende do Congresso americano, hoje controlado pela oposição a Obama.

Em entrevista recente a jornalistas, o subsecretário geral do Itamaraty para América do Sul, Antonio Simões, sugeriu que a própria criação da Celac ajudou na reaproximação entre Estados Unidos e Cuba.

"Um dos pressupostos da Celac sempre foi a inclusão de Cuba e a ideia de que deveríamos trabalhar na região sem exclusões", afirmou. "Tudo isso que ocorre hoje, o entendimento entre Cuba e os Estados Unidos, tem toda uma raiz que vem lá de trás."

Articulação internacional

Para Oliver Stuenkel, a Celac poderá ter um papel importante na relação entre os países latino-americanos e a China. No início do mês, chanceleres dos países membros do bloco participaram da primeira cúpula Celac-China, em Pequim.

Atuação fraca do Brasil durante o governo Dilma abre espaço para novas lideranças na Celac, segundo analistas

Segundo Stuenkel, a Celac dá à China a possibilidade de acessar mercados latino-americanos sem a mediação dos Estados Unidos, além de lhe permitir influenciar politicamente a região.

Ele diz que uma maior participação da China em temas políticos da América Latina já se verifica, por exemplo, na Venezuela, cujo governo depende cada vez mais do apoio de Pequim para lidar com a crise econômica no país.

Já Ricardo Sennes, consultor e professor de Relações Internacionais da USP, é mais cético quanto ao potencial do bloco.

"A Celac entra num padrão de iniciativas que é muito típico da região, que são reuniões regionais muito grandiloquentes, com objetivos muito amplos, mas com capacidade de implementação muito baixa", afirmou Sennes à BBC Brasil.

Segundo o especialista, a falta de uma agenda mais sólida para o bloco se evidencia nas cúpulas regionais, que contam com a presença de chefes de Estado mas raramente com ministros de economia, comércio exterior, presidentes de bancos centrais e de desenvolvimento.

"Se as reuniões pudessem mobilizar outras instituições, além do discurso sobre integração, poderia haver algum alinhamento em termos de políticas públicas. A ausência desses atores indica que a agenda é muito frágil."

Tanto Stuenkel quanto Sennes afirmam que, para analisar o papel da Celac hoje, é preciso ainda considerar a mudança nos rumos da política externa brasileira após a posse de Dilma Rousseff.

Segundo Sennes, Dilma manteve as diretrizes gerais da diplomacia do governo Lula, privilegiando a integração regional, "mas com 1% da intensidade" da atuação do governo anterior.

A postura do governo brasileiro, diz ele, enfraqueceu o projeto de integração regional e iniciativas como a Celac.

Para Stuenkel, o baixo crescimento econômico do Brasil e a "política externa inexpressiva" do governo Dilma "gera uma nova dinâmica no grupo, em que não se sabe quem vai assumir a iniciativa".