Brasileiro descendente de armênios registra em fotos 'vazio do massacre'
"Fiz esta escrita em 1922. Na casa, fiquei 25 dias. Agora, me vou. Fiquem bem amigos. Aquele que ler Bedros que se lembre de mim. YAN".
A mensagem, gravada em pedra no canto superior esquerdo de uma janela, foi descoberta por acaso pelo arquiteto e fotógrafo brasileiro Stepan Norair Chahinian em um quarto da casa que pertencia à família de sua avó paterna, a armênia Anahid Der Bedrossian, em Urfa, na atual Turquia. No local, hoje funciona um hotel boutique.
Há cerca de 100 anos, o pai de Anahid -- bisavô de Stepan -- e o irmão fugiram dali apenas com as roupas do corpo. Eles foram os únicos de uma família de 35 membros a se salvar do massacre dos armênios pelos turcos.
Entre 1915 e 1923, 1,5 milhão de armênios foram mortos pelos otomanos. Outros milhares foram vítimas de deportação forçada. Classificada como 'genocídio' por países como Canadá, França e Alemanha, a denominação não é reconhecida oficialmente pelo Brasil.
Até hoje, a Turquia nega que tenha havido extermínio sistemático dos armênios e alega que agiu para defender a "soberania nacional".
Stepan acredita que a mensagem, que está dividida em seis linhas e cuja assinatura se encontra codificada, foi escrita pelo irmão de seu bisavô paterno, Yan. Os dois fugiram da Armênia Ocidental, região que atualmente faz parte da Turquia, rumo a Alepo, na Síria, onde permaneceram temporariamente antes de se instalar de vez no Brasil.
"Coloquei as mãos sobre aquela mensagem e fechei os olhos; tentei conter as lágrimas acumuladas, mas deixei que rolassem. Eu precisava. Conversei internamente com ela, e confortei a alma daqueles que um dia viveram e morreram por lá", diz ele à BBC Brasil.
"Se a ideia era exterminar os armênios, ali estava um grande reencontro, entre um homem e uma pedra, prontos para contar a verdadeira história", acrescenta.
Após quatro viagens à Turquia, totalizando nove meses, e mais de 21 mil quilômetros percorridos pela Ásia Menor, Stepan decidiu contar esse reencontro por meio de fotos, reunidas em um livro ainda a ser publicado em português.
Intitulada "O poder do vazio - conversando com as pedras na Armênia histórica", a obra acaba de ser lançada em armênio, turco e inglês. Também haverá uma versão em espanhol.
Stepan também convidou intelectuais, jornalistas e escritores de origem armênia para escrever os textos que acompanham as imagens.
Além do livro, uma exposição fotográfica foi inaugurada em Istambul, na Turquia, e deverá passar por França, Estados Unidos, Argentina e Brasil.
"Meu bisavô foi uma vítima do genocídio e eu sou uma consequência dele. Mas minha jornada rumo à Armênia de meus antepassados teve como gênese o diálogo com os turcos. O genocídio aconteceu e precisa ser reconhecido. Quero conversar sobre este episódio histórico e lutar para que a justiça seja feita." Para Stepan, "o governo turco foi o mentor do crime".
"Desde pequeno, ouvia meus avós contarem histórias sobre o extermínio em massa dos armênios. Essa memória oral me fez chegar à casa que pertenceu à família de minha avó paterna em Urfa. Quis ir até lá e encarar meu passado. É minha singela homenagem aos meus antepassados e às milhares de pessoas que morreram", explica.
Fotografia
Stepan conta ainda que herdou a paixão pela fotografia de seu avô paterno, Avedis, também armênio. Nascido em Marach, na antiga Armênia, Avedis fugiu para a Síria quando tinha nove anos, junto do irmão mais novo. Ali ele aprendeu um novo ofício, diz Stepan.
"Meu avô se tornou um fotógrafo conhecido e chegou a ser correspondente durante a 1ª Guerra Mundial", lembra.
"Usei a câmera dele, uma Rolleiflex, para fazer fotos do que pude verificar durante a minha jornada".
As fotos feitas com a câmera do avô, em preto e branco, foram misturadas àquelas registradas com a câmera digital, acrescenta Stepan.
"Não foi fácil entender e processar tantas informações e experiências vividas nas terras de onde vêm as minhas raízes. Principalmente editar as fotos para o livro".
"Em busca de provas e pessoas, atrás de poderosas pedras e paredes falantes, em silenciosos lugares vazios onde estão guardados segredos, pude encontrar quem ainda tenta se esconder. Procurei descobrir onde foram parar as centenas de milhares de famílias que, como a minha, outrora por aqui habitavam e rezavam, nas mais de 2 mil igrejas que existiam na Turquia em 1915".
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