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Por que novamente em Paris?

Hugo Bachega

Da BBC Brasil em Londres

14/11/2015 16h57

Foi o segundo grande ataque a atingir Paris em menos de um ano, e uma das tantas perguntas que surgem é: por que a França novamente?

O grupo autodenominado Estado Islâmico (EI) assumiu a autoria dos ataques na capital francesa na sexta-feira (13) que deixaram pelo menos 129 mortos e 352 feridos. O grupo disse que os atos foram "cuidadosamente estudados", mas ainda estão emergindo os detalhes sobre como eles foram concretizados.

O presidente francês, François Hollande, disse que os ataques foram planejados e organizados no exterior, com ajuda interna. Pouco se sabe sobre os sete atiradores que foram mortos: um seria francês, e dois passaportes, um egípcio e outro sírio, foram encontrados.

Veja abaixo cinco pontos que ajudam a entender por que a França tornou-se alvo novamente.

1. Fricções étnicas

A França tem a maior população muçulmana na Europa: cerca de 5 milhões, ou 7,5% de seus habitantes. E, segundo analistas, é uma das sociedades mais divididas no continente.

A integração de muçulmanos ao resto da sociedade francesa já era questão delicada no país antes dos ataques de janeiro de 2015 ao semanário satírico "Charlie Hebdo" e a um supermercado judeu, que chocaram a França e o mundo --e esta integração ainda pode piorar, dizem especialistas.

Há um aparente questionamento de gerações mais novas de famílias de imigrantes, supostamente descontentes quanto ao estilo de vida mais liberal do Ocidente, da tolerância à diversidade religiosa e à liberdade de expressão.

"Os ataques são uma lembrança das fricções étnicas que se arrastam na França", disse a consultoria de análise política Stratfor.

Muitos muçulmanos teriam, ainda, a percepção de estarem à margem da sociedade, isolados ou mesmo excluídos.

"A França é o país na Europa onde o debate sobre o lugar do islã dentro da sociedade é o mais difícil e mais duro. A maioria dos franceses acha que o islamismo, em geral, não é compatível com a laicidade francesa. E há uma tensão muito forte entre os radicais islâmicos e a França", disse à BBC Brasil Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris.

A polêmica proibição do uso do véu islâmico por mulheres, por exemplo, foi interpretada por alguns muçulmanos como uma decisão contra o islamismo.

Os ataques atingiram bares e restaurantes, um show de uma banda de rock e os arredores de um estádio de futebol em horário de grande movimento. O EI afirmou que Paris é a "capital da abominação e perversão".

Segundo Valladão, Paris é alvejada por ser um "símbolo de liberdade".

"A questão do islã e dos muçulmanos em geral se transformou num grande debate ideológico interno. E é claro que com uma coisa desse tipo (...) é possível que eles [muçulmanos] sejam ainda mais estigmatizados, o que pode criar ainda mais radicalismo."

2. Radicalização e extremismo

A França tem sido a maior fonte na Europa de combatentes estrangeiros que se juntam a grupos radicais no Oriente Médio. Um relatório do Centro Internacional para o Estudo de Radicalização e Violência Política do King's College, de Londres, apontou no início deste ano que, das cerca de 4.000 pessoas que deixaram a Europa Ocidental para se juntar a grupos extremistas como o EI na Síria e no Iraque, aproximadamente 1.200 mil saíram da França. E muitas delas retornaram.

A França, aliás, fica atrás apenas de Arábia Saudita, Tunísia, Jordânia, Marrocos e Rússia como maior emissor de combatentes para estes grupos, segundo o relatório. Estima-se que 20 mil estrangeiros de 80 países tenham ido à Síria e ao Iraque para lutar como militantes.

Por muitos anos, os subúrbios de Paris e outras cidades foram vistos como terreno fértil para extremistas islâmicos, que recrutavam jovens muçulmanos descontentes com desemprego e ostracismo.

Outro lugar fácil para radicalização, dizem especialistas, são as prisões francesas: estima-se que 60% dos 70 mil detentos no país tenham origem muçulmana, e grupos extremistas estariam se aproveitando disso para recrutar colaboradores.

"Eles foram destruídos pelo fracasso educacional, problemas de família e emprego. São muito frágeis", disse à BBC Missoum Chaoui, líder muçulmano de Paris.

3. Imigração

Os ataques ocorrem, ainda, no momento em que a Europa enfrenta discordâncias internas sobre como lidar com a maior onda migratória desde a Segunda Guerra Mundial.

Alguns países europeus instituíram controles de entrada e instalaram barreiras nas fronteiras em resposta ao fluxo. A maioria dos imigrantes foge dos conflitos na Síria, no Afeganistão e em partes da África.

Em alguns países, grupos contrários à imigração se fortaleceram. Um ministro da Grécia disse que o dono do passaporte sírio encontrado em Paris tinha chegado à União Europeia pela ilha de Lesbos em outubro. É bom lembrar que há um comércio fértil de passaportes sírios.

Apesar de nenhuma ligação ter sido oficialmente feita entre os autores dos ataques e as condições de permanência deles na Europa, os atentados deverão alimentar o debate sobre o fluxo migratório.

"[Os ataques] criam um problema sério dentro da Europa e vão dar muita corda para todos os movimentos nacionalistas e extremistas xenófobos que querem acabar com a União Europeia, fechar as fronteiras, criar governos autoritários e racistas. Isso vai criar uma situação complicada para a Europa", disse Valladão.

4. Operações francesas na Síria e no Iraque

A França participa da coalizão militar liderada pelos Estados Unidos que tem conduzido ataques aéreos contra o EI na Síria e no Iraque e é um dos países mais ativos nesses ataques contra o grupo. O país realizou também uma intervenção contra extremistas islâmicos no Mali, em 2013.

Algumas testemunhas disseram que militantes gritaram "Deus é grande" em árabe antes de atacar o show de rock na sexta-feira e que um dos atiradores teria dito: "É culpa do Hollande, é culpa do seu presidente, ele não deveria ter intervindo na Síria".

O EI disse que as ações eram resposta às operações francesas contra seu território e que o objetivo era "ensinar a França e todas as nações que seguem o seu caminho que eles ficarão no topo da lista de alvos do Estado Islâmico, e que o cheiro de morte não sairá dos seus narizes enquanto eles participarem da campanha".

5. Falhas de inteligência?

O que aconteceu em Paris foi exatamente o que as agências de inteligência e segurança na Europa temiam e tentavam evitar: ataques simultâneos em locais movimentados numa grande cidade, com um elevado número de vítimas. Além das perguntas naturais sobre quem organizou a operação, o uso de armas automáticas e a coordenação dos ataques levarão à questão: os serviços de segurança franceses falharam?

Nas ações de janeiro em Paris, a inteligência também ficou sob suspeita, já que dois dos autores eram conhecidos de serviços secretos europeus e norte-americano: um já tinha sido preso por tentar se juntar a jihadistas no Iraque; outro tinha ligação com a Al-Qaeda no Iêmen.

O trabalho de identificar e monitorar suspeitos não é simples, disse à BBC Shashank Joshi, do Royal United Services Institute, após os ataques de janeiro.

"O desafio é identificar quais redes de indivíduos merecem atenção especial. A França tem poderosas agências de inteligência, mas nenhuma agência ocidental tem poderes legais ou logísticos de realizar a vigilância intrusiva e constante de milhares de cidadãos que não foram acusados de nenhum crime."

Outra pergunta ainda sem resposta: se aconteceu em Paris, poderá acontecer em outra cidade europeia?