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Viagens, arquivos e muita pressa: o trabalho de um 'caçador de nazistas' na América do Sul

Jens Rommel (à esq. na foto) em trabalho em arquivos; pesquisador também visitou o Brasil à caça de nazistas - Divulgação
Jens Rommel (à esq. na foto) em trabalho em arquivos; pesquisador também visitou o Brasil à caça de nazistas Imagem: Divulgação

Geraldo Lissardy

Da BBC Mundo, no Rio de Janeiro

07/05/2016 10h59

A missão do alemão Jens Rommel parece mais coisa de filme antigo do que algo mais apropriado à era digital: encontrar criminosos de guerra nazistas na América do Sul, com a ajuda de arquivos de papel tão velhos que às vezes é difícil tocá-los ou lê-los.

Chefe do Escritório Central de Investigação dos Crimes do Nazismo, com base na cidade de Ludwigsburg, no sudoeste da Alemanha, Rommel sabe que corre contra o tempo para levar à Justiça suspeitos que hoje têm mais de 90 anos.

"Estamos em uma situação paradoxal", explica o alemão, em entrevista por telefone à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

"Por um lado, essa busca não é apressada, porque já se passaram 70 anos desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Por outro, precisamos de pressa, porque essas pessoas (que procuramos) podem em breve não estar mais aqui."

Idade avançada

Rommel, de 43 anos, passou as duas últimas semanas de abril enfurnado no Arquivo Nacional Argentino, em Buenos Aires - assim como outros investigadores de sua equipe fizeram em acervos de documentos no Brasil, Bolívia, Chile, Peru e Uruguai.

Suas pesquisas têm como alvo específico os registros migratórios, para detectar alemães que tenham chegado à América do Sul por via aérea ou marítima depois da guerra e eram maiores de idade durante o conflito.

Os dados serão levados para Ludwigsburg e comparados com os registros do Escritório Central, onde estão informações sobre 700 mil supostos criminosos de guerra.

Se alguma relação for encontrada, os investigadores voltarão à América do Sul para verificar se a pessoa em questão está viva.

Os arquivos em Ludwigsburg contêm milhares de dados sobre possíveis crimes de guerra - Divulgação - Divulgação
Os arquivos em Ludwigsburg contêm milhares de dados sobre possíveis crimes de guerra
Imagem: Divulgação

Apesar de a missão parecer impossível, Rommel afirma que ele e sua equipe já tiveram algum êxito.

Estima-se que a América do Sul tenha recebido vários fugitivos nazistas de forças de elite do regime de Hitler, como a Gestapo e a SS.

Um exemplo foi o tenente-coronel do exército Adold Eichmann, um dos principais organizadores do Holocausto, capturado em Buenos Aires nos anos 60. Ou Franz Stangl, comandante de campos de concentração em que mais de 900 mil judeus foram executados, e descoberto trabalhando em uma fábrica do Volkswagen na região metropolitana de São Paulo, em 1967.

Rommel afirma que seus investigadores já identificaram no continente mais de uma dezena de alemães cujos dados coincidem com pessoas de paradeiro desconhecido e procuradas na Alemanha, inclusive por crimes ligados ao nazismo.

Personagens periféricos

Mas ele avisa que não se trata de gente da alta hierarquia do regime, mas sim de indivíduos que exerceram funções como, por exemplo, guarda de campos de concentração. E que morreram antes de sua identidade ser confirmada.

Um desses casos ocorreu no Peru, no ano passado.

Nos arquivos migratórios de Lima, investigadores encontraram o nome Heinz M., referente a uma pessoa nascida em 1919 na região da Silésia, então em território alemão.

Ao comparar os dados com os arquivos de Ludwigsburg, descobriram que era um suposto ex-integrante do Partido Nazista e da Força Aérea, com indícios de que teria trabalhado como médico da SS, aplicando injeções letais em prisioneiros.

"Os dados pessoais eram os mesmos. Infelizmente, quando tratamos de verificar sua identidade, descobrimos que ele havia morrido em 2005", diz Rommel.

Rommel admite que a perseguição aos fugitivos deveria ter sido mais intensa nos anos 60 e 70, mas afirma que não havia condições ideais para isso na Alemanha nem na América do Sul. Diz acreditar, contudo, que ainda seja possível encontrar o que chama de "pequenas engrenagens da máquina de extermínio nazista".

Na Alemanha, há atualmente três processos contra suspeitos presos dentro das fronteiras nacionais, sob a acusação de participação em crimes de guerra.

A dificuldade desses processos foi evidenciada pela morte, no mês passado, de Ernst Tremmel, ex-guarda do campo de extermínio de Auschwitz e acusado de mais de mil assassinatos. Ele tinha 93 anos e estava a uma semana do início de seu julgamento.

Por outro lado, em julho do ano passado, Oskar Groening, conhecido como o "Contador de Auschwitz" e acusado de cumplicidade em 300 mil mortes, foi condenado a quatro anos de prisão. Tinha 94 anos quando foi encarcerado.

O Escritório Central conta com seis investigadores e o apoio de organizações especializadas dentro e fora da Alemanha, como o Centro Simon Wiesenthal, em Los Angeles, referência na caça a nazistas.

Rommel diz ter tido boa cooperação dos países sul-americanos, mas que enfrentou dificuldades para explicar sua missão - em especial o fato de que não busca diretamente suspeitos, mas nomes de pessoas sobre as quais recaem suspeitas.

Especialista em direito internacional e com experiência prévia na Procuradoria-Geral da Alemanha para casos de terrorismo, Rommel diz tolerar o apelido de "caçador de nazistas", mas que não se sente como tal.

"Um caçador tem em mãos uma arma e busca com essa arma uma presa ou um troféu para pendurar na parede", diz.

Rommel conta que, quando o cargo lhe foi oferecido, em outubro de 2015, ele aceitou por causa do que definiu como uma das últimas oportunidades para os investigadores esclarecerem os crimes do nazismo.

"A esperança é a última que morre."