Quem são os eleitores fiéis a Trump?
Os Estados Unidos estão tão divididos em 2016 que metade do eleitorado mal consegue entender a outra.
O fenômeno Donald Trump se tornou o tema dominante da cobertura da eleição do dia 8, deixando de lado as usuais questões típicas de uma campanha presidencial, envolvendo economia e política externa.
E as perguntas não são propriamente sobre o candidato republicano. Trump não escondeu quem é - ele não ocultou suas atitudes em relação a mulheres ou minorias raciais e suas opiniões sobre problemas globais estão aí para que todos vejam.
O que tem intrigado as pessoas que não vão votar em Trump é como dezenas de milhões de seus compatriotas pretendem fazê-lo. Quem são essas pessoas?
A resposta está no que chamamos de "Bloco".
Trata-se de um grupo que corresponde a cerca de 40% do eleitorado. Não representa uma maioria, mas é o maior grupo unificado de eleitores dos EUA.
Perdeu quatro das últimas seis eleições presidenciais, mas deu ao Partido Republicano o controle do Congresso e do governo de vários Estados, tornando quase impossível para administrações democratas a missão de governar o país.
O Bloco não criado pela Grande Recessão de 2008 ou pelo 11 de Setembro, mas sim por uma série de eventos que foi dando fileiras e mais fileiras de eleitores para os republicanos.
"Uma nova fileira é adicionada sempre que há algum tipo de deslocamento econômico", explica Todd Gitlin, professor de Sociologia e Jornalismo da Universidade de Columbia, acrescentando que esses novos eleitores são majoritariamente indivíduos brancos que previamente votavam em candidatos democratas.
Gitlin vê as origens do Bloco na década de 1930, mais especificamente nos períodos de seca que criaram um êxodo rural dos Estados de Oklahoma e Kansas.
Muitos desses fazendeiros e suas famílias foram para na Califórnia, transformando-se em partidários de políticos republicanos, como Barry Goldwater, o candidato derrotado na eleição presidencial de 1964.
No final da década de 1960, muitos brancos do sul juntaram-se ao Bloco por conta da aprovação da legislação que deu à população negra igualdade de direitos, inclusive o voto.
Nos anos 1970 e 1980, recessões levaram ao fechamento de fábricas no norte dos EUA. Comunidades em regiões como Johnstown, na Pensilvânia, foram devastadas pelo desemprego e muitas pessoas tiveram que deixar a região para procurar trabalho, normalmente em condições bem diferentes das que tinham sustentado gerações e permitido o crescimento de comunidades.
Foi um deslocamento tão violento quando o dos anos 1930.
Também se juntaram ao Bloco pessoas que discordaram da decisão judicial que deu às mulheres americanas o direito de aborto em 1973 - o Partido Republicano tradicionalmente se opõe à interrupção da gravidez.
Mas os dois principais partidos dos EUA são grandes coalizões.
Nos últimos 50 anos, os democratas também passaram por mudanças. Sua configuração é mais diversa e dedicada a usar a legislação de direitos civis para reverter os efeitos de anos de discriminação contra minorias e mulheres, além de defender legislação mais liberal em assuntos de sexualidade.
Uma maioria esmagadora de negros, e significante de hispânicos e asiáticos vota nos democratas, enquanto brancos com curso superior dominam o partido.
Identidade e política de gênero são discussões regulares nos campi universitários e na grande mídia. No lado democrata, muito tem se falado sobre a identidade do homem branco.
O jornal "The New York Times", por exemplo, já publicou dezenas de artigos sobre o "homem branco raivoso".
Essa diferença de pensamento proporciona uma espiadela na divisão dos americanos. Quando Donald Trump ataca o Nafta (acordo de livre comércio com o Canadá e os EUA, assinado nos anos 90), falando em perda de emprego para americanos, o Bloco aplaude.
Quando ele ataca democratas e sua preferência por políticas de identidade e gênero, o Bloco acena a cabeça, concordando.
Em meio a isso, muitos democratas simplesmente não conseguem entender como alguém poderia votar em Trump.
Mas uma correligionária de Clinton que conheci durante a produção de meu documentário de rádio sobre a eleição americana (Thee Unswayables, algo como Os Irredutíveis, em tradução livre) entendeu.
A professora aposentada Bonnie Cordova e eu estávamos assistindo ao segundo debate presidencial em um bar de Nova York. Perguntei a ela depois se ela entendia por que alguém votaria em Trump.
"Lecionei em escola de grandes centros urbanos por mais de 30 anos", explicou. "Fui por algumas vezes preterida em promoções por não ser de uma minoria. Trabalhei em uma escola em que crianças imigrantes tinham tratamento dental e oftalmológico gratuito enquanto eu tinha problemas para custear o dos meus filhos."
Ela admitiu o ressentimento: "É uma chama que pode ser abanada e virar ódio. Você precisa superar (os sentimentos ruins)".
Mas nem todo mundo consegue, por isso a sociedade e o governo americanos estão tão perigosamente divididos.
O Bloco não está, porém, permanentemente atrelado ao Partido Republicano, e os democratas teriam mais facilidade para governar se pudessem recuperar alguns desses eleitores.
A melhor maneira de fazer isso está diretamente relacionada ao emprego. O deslocamento econômico criou o Bloco. Emprego estável pode desidratá-lo.
Mas Todd Gitlin, que liderou movimentos liberais de esquerda nos EUA desde os anos 1960, não tem muitas esperanças de que isso possa acontecer em breve.
"Há muitas visões fragmentadas, sem centros passionais. As pessoas não têm noção do trabalho de ser um cidadão e de nos governarmos. Não é apenas um problema da direita."
O Bloco foi formado em um período de pelo menos 50 anos, e será preciso mais que uma eleição presidencial dominada pelo menos presidencial candidato na história americana para que ele comece a ser desmontado.
Não parece claro quem, do lado democrata, tem paciência para dedicar à tarefa de anos de persuadir esses eleitores a assumir uma posição em que ao menos haja o compromisso de um governo que funcione.
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