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"50 mil estão esperando a morte chegar, prestes a ser vítimas de um massacre em Aleppo"

Moradores de uma área controlada pelo governo sírio em Aleppo - Youssef Karwashan/AFP
Moradores de uma área controlada pelo governo sírio em Aleppo Imagem: Youssef Karwashan/AFP

16/12/2016 16h30

No leste de Aleppo, recém-retomada pelas forças do presidente Bashar al-Assad, 50 mil civis continuam sitiados, "só esperando a morte chegar, prestes a ser vítimas de um massacre geral".

Quem afirma é o prefeito exilado da cidade síria, Brita Hagi Hasan, que na quinta-feira fez um dramático apelo por ajuda aos líderes da União Europeia, reunidos em Bruxelas.

"O que precisamos agora são ações, não novas declarações. Porque as crianças e mulheres estão sendo baleados enquanto esperam", repetiu ao longo do dia em um encontro bilateral com o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, em um discurso diante dos governantes europeus e, posteriormente, em entrevista à BBC Brasil.

Hassan pediu "uma posição forte da UE" e afirmou que "a história está registrando este silêncio" da comunidade internacional diante do drama de Aleppo.

"Não pedimos a nenhum país que vá à guerra. Só pedimos que garantam a abertura de corredores humanitários e enviem observadores para acompanhar a retirada dos civis", afirmou.

Descrédito

Hassan foi eleito em dezembro de 2015 como presidente do Conselho Municipal de Aleppo, estrutura administrativa civil equivalente a uma prefeitura criada em março de 2013 na cidade então controlada pelo Exército Sírio Livre, leal ao movimento de oposição Conselho Nacional Sírio.

Ferido durante um bombardeio em julho passado, ele deixou a cidade para se tratar em um hospital da região e, com a intensificação do cerco feito regime de Assad, não pôde mais voltar.

Desde então, vive "em várias áreas liberadas" do país, como descreve com precaução, e viaja com frequência à Europa para pedir ajuda aos governos ocidentais.

Aos olhos de Hassan, a Organização das Nações Unidas "perdeu toda a legitimidade" ao fracassar na tentativa de impor uma trégua humanitária em Aleppo, repetidamente bloqueada pelo veto de Rússia no Conselho de Segurança.

"Os crimes de guerra e contra a humanidade que foram cometidos na Síria na verdade mataram também o que chamamos de legislação internacional. Nossa última esperança repousa em uma solução fora do Conselho de Segurança."

Ao Brasil, ele pede que "simplesmente implemente a legislação internacional e considere que este regime (liderado por Assad), que matou mais de 500 mil pessoas e desalojou 12 milhões, perdeu a legitimidade".

Os brasileiros também poderiam ajudar os civis sírios enviando ajuda humanitária às regiões que estão recebendo refugiados, disse.

"Esse enorme êxodo forçado de população, que em si é um crime de guerra, criará grandes necessidades em matéria de habitação, alimentação, saúde, especialmente nesse período de inverno (no Hemisfério Norte)", observou.

Cerco a Aleppo

Segundo o enviado especial da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, ao menos 900 pessoas que moram na parte leste de Aleppo seriam combatentes de grupos extremistas como a Frente Fatah Al-Cham, ligada à Al Qaeda.

Hassan reduz a cifra para "entre 200 e 300" e afirma que, "mesmo de fossem 900, isso não justificaria a aniquilação de 250 mil pessoas".

O prefeito assegura que a maioria das forças que lutam contra o governo em Aleppo pertence ao Exército Sírio Livre, que se declara laico, e são formadas por engenheiros, advogados e outros civis que "foram forçados a pegar em armas para se defender da repressão de Assad" no começo do conflito, em 2011.

A cidade logo se converteria em um bastião rebelde e um alvo principal para o exército de Assad, que desde novembro intensificou a ofensiva à cidade, com apoio da Rússia e do Irã.

Aos líderes europeus, Hassan descreveu como os habitantes da parte leste, onde se concentram as forças rebeldes ao governo, viveram o cerco governamental: "sem ter o que comer, sem nenhum hospital funcionando, correndo risco de ser alvejados simplesmente ao sair de casa".

De maior cidade da Síria, com uma população de 2,3 milhões de habitantes, e centro financeiro e industrial do país, Aleppo se converteu em um amontoado de ruínas.

Vários acordos de cessar-fogo foram quebrados. O governo acusou os rebeldes de impedir a fuga da população civil, que estaria sendo usada como escudo humano.

Hassan, por outra parte, acusou a Rússia de abrir corredores humanitários dirigindo a população a áreas controladas pelo regime sírio.

"Por isso os habitantes não querem sair. Nenhum grupo rebelde impediu os civis de saírem. O que acontece é que eles não confiam no regime, têm medo de ser detidos ou assassinados. É por isso que eu insisto na necessidade de abrir corredores controlados pela ONU ou um organismo independente, que permita aos civis ir aonde queiram", disse o prefeito.

Nos últimos dias, a ONU denunciou execuções sumárias de civis na parte leste de Aleppo.

Mea culpa

O relato de Hassan foi considerado "deprimente" pela chanceler alemã, Angela Merkel, e "arrepiante" pelo primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy.

Ainda assim, a declaração conjunta dos líderes europeus se limitou a "condenar energicamente" o cerco a Aleppo e a prometer estudar "todas as opções possíveis" para deter o conflito sírio.

Em entrevista coletiva, Tusk admitiu a ineficiência da UE em solucionar o conflito sírio, mas pediu que o mundo pare de culpar o bloco pela tragédia humanitária no país.

"É importante que sejamos francos: é impossível parar esse conflito à força. A UE não tem intenção ou capacidade de usar esse tipo de método. Mas, por favor, parem de culpar a UE, porque os países europeus não são a razão pela qual presenciamos hoje essa tragédia em Aleppo e outras partes de Síria", afirmou, visivelmente emocionado.

"O que podemos oferecer é diplomacia, e acho que podemos dizer que conseguimos alguns resultados importantes na abertura de corredores humanitários. Todos os nossos serviços diplomáticos estão trabalhando duro para isso."