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Transposição para Cantareira não encerra crise da água, dizem especialistas

Após chuva, solo fica úmido, mas continua rachado na represa de Atibainha, que integra o Sistema Cantareira - Luis Moura/Estadão Conteúdo - 5.nov.2014
Após chuva, solo fica úmido, mas continua rachado na represa de Atibainha, que integra o Sistema Cantareira Imagem: Luis Moura/Estadão Conteúdo - 5.nov.2014

Karina Gomes

07/11/2014 00h26Atualizada em 07/11/2014 09h33

A transposição de água da bacia do rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira pode amenizar, mas não dar fim à crise da água no estado de São Paulo. Segundo especialistas ouvidos pela DW Brasil, além de não solucionar a escassez nos reservatórios paulistas, a medida poderia prejudicar o abastecimento na região metropolitana do Rio de Janeiro.

A proposta foi apresentada em março pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Nesta quarta-feira (05/11), o presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, sinalizou que a transposição é "tecnicamente viável".

"Tudo é possível, mas tem um custo. As autoridades erram ao não fazerem um estudo técnico antes de tomarem uma decisão política", critica o oceanógrafo David Zee, professor da Uerj.

A bacia do rio Paraíba do Sul banha os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. De acordo com a proposta de Alckmin, o rio Atibainha, que fica no Sistema Cantareira, receberia água do reservatório do rio Jaguari, que é um dos afluentes do Paraíba do Sul.

"Uma retirada adicional de água trará impactos que serão sentidos com mais força quando houver escassez de chuva", diz Paulo Carneiro, pesquisador do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ. "A segurança hídrica deve diminuir, e a frequência de períodos de seca na bacia, aumentar."

O especialista em recursos hídricos Antônio Carlos Zuffo não acredita que a transposição irá resolver a crise hídrica em São Paulo. O volume do Cantareira continuará descendo, mesmo que em menor intensidade.

"A cada dia, o nível do reservatório fica mais baixo. Enquanto entram em torno de 9,63 metros cúbicos de água por segundo, são retirados 22,5 [metros cúbicos] para o Alto Tietê e o consórcio PCJ, que abastece algumas cidades do interior paulista. A defasagem é grande", diz Zuffo.

O nível do sistema Alto Tietê e da represa Guarapiranga também diminuiu de forma drástica. Como os reservatórios do sudeste e do centro-oeste estão com volume muito baixo, se chover pouco até o fim deste ano, é possível que haja um racionamento de energia, alerta Zuffo.

Interesses em jogo

A transposição da bacia do Paraíba do Sul envolve impasses jurídicos, administrativos e econômicos. Carneiro afirma que o argumento de que a medida vai aumentar a segurança hídrica é falso.

Para o especialista, a pressa da ANA e do governo de São Paulo em fazer a transposição é questionável. O projeto, que é complexo e exige uma série de etapas preparatórias, seria executado num período mínimo de três anos.

"Isso só mostra que houve de fato uma incompetência no planejamento de longo prazo. Não dá para querer sangrar o Paraíba do Sul sem trazer o assunto para o debate amplo, sem colocar as cartas na mesa", diz Carneiro. "São Paulo sabia há mais de duas décadas que era necessário fazer investimentos para evitar uma crise de abastecimento."

Além das obras, a transposição exigiria resolver entraves jurídicos. O reservatório Jaguari foi construído pela Companhia Elétrica de São Paulo (Cesp) para a geração de eletricidade. Segundo Zuffo, para fazer a transposição, a ANA precisa fazer outra outorga junto ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), para que o reservatório também seja destinado ao abastecimento urbano.

"A Cesp terá de ser indenizada, porque a retirada de água vai reduzir o rendimento da usina hidrelétrica. A amortização do investimento feito na construção não será cumprida no período previsto", afirma.

Em nível territorial, o gerenciamento de recursos hídricos no Brasil é dividido por bacias hidrográficas. Apesar de estar em São Paulo, a bacia do Paraíba do Sul é federal e de responsabilidade da ANA. O domínio da bacia, no entanto, é do estado de São Paulo.

"Há uma sobreposição de legislações. Esse imbróglio jurídico precisa ser resolvido, por isso, está no Supremo [Tribunal Federal (STF)]", diz.

O ministro Luiz Fux, do STF, convocou uma audiência de mediação para que o tema seja debatido entre o governo federal, agências reguladoras, Ministério Público Federal e representantes dos estados. Fux negou um pedido de liminar da Procuradoria Geral da República para impedir a transposição.

Ainda estão em jogo os interesses do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, já que a bacia do Paraíba do Sul abastece várias cidades nos dois estados. O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, declarou que, se a União decidir transferir água do Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira, ele irá acatar.