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Líder da Liga Tunisiana vê Nobel como prova de que diálogo funciona

Adel Ezzine/Xinhua
Imagem: Adel Ezzine/Xinhua

Miguel Albarracín e Javier Martín

Em Túnis

09/10/2015 16h50

A entrega do prêmio Nobel da Paz ao Quarteto do Diálogo Nacional na Tunísia é uma poderosa comprovação ao restante dos países árabes de que o diálogo funciona, conforme afirmou nesta sexta-feira (9) o presidente da Liga Tunisiana dos Direitos Humanos, Abdelsatar ben Moussa, um dos fundadores da iniciativa.

Em entrevista à Agência Efe em seu escritório no centro de Túnis, o ativista disse que a decisão simboliza um grande exemplo que atravessa as fronteiras de seu país e se instala como padrão de futuro para nações como Líbia e Síria.

"O maior significado é para os países vizinhos, para que não se desesperem. A iniciativa diz que apenas com o diálogo é possível alcançar a resolução de seus problemas, só o diálogo pode resolver os conflitos", ressaltou.

De acordo com Ben Moussa, "a única iniciativa válida para o mundo árabe e para a África é o diálogo, que permitiu a transição na Tunísia, onde a classe política compreendeu bem que é necessário resolver os problemas por esse método".

A Liga Tunisiana dos Direitos Humanos é uma das quatro organizações que fundaram o comitê em 2013, com o objetivo de tentar salvar do fracasso a chamada "revolução de Jasmim", que em janeiro de 2011 derrubou a ditadura do foragido Zine El Abidine Ben Ali.

Assim como a Liga, a UGTT (União Geral de Trabalhadores Tunisianos), o sindicato patronal (UTICA) e a Associação de Magistrados promoveram uma segunda via para tirar do poder o governo transitório da troika pró-islamita e formar um segundo Executivo de transição de caráter tecnocrata.

Após meses de complexas negociações, com o país dividido e à beira de um conflito, os esforços tiveram como resultado um governo de transição comandado pelo tecnocrata Mehdi Jomaa, que durante anos trabalhou para a indústria do petróleo na França.

Essa processo também contou com a participação de outros três nomes: Wided Bouchamaoui (representante patronal), Houcine Abassi (líder sindical) e Fadhel Mahfoudh (representante da Associação de Magistrados).

"Não se deve parabenizar apenas as quatro organizações, mas também a sociedade civil e o povo em geral, pois o diálogo triunfou graças à participação dos partidos políticos e do esforço de organizações históricas e independentes, que participaram da revolução e do processo constituinte", lembrou Ben Moussa.

De acordo com o ativista, seus colegas e o próprio presidente do país, Beji Caid Essebsi, o prêmio chega em momento oportuno, em uma nova fase de crise política e de confiança que voltava a comprometer a revolução.

"Aqui temos muitos problemas, ontem mesmo tivemos uma tentativa de assassinato, e acreditamos que a melhor solução continua sendo o diálogo", explicou Ben Moussa.

Dois assassinatos, os dos políticos Chokri Belaïd e Mohamad Brahmi, em fevereiro e julho de 2013, foram os sinais de alarme que levaram à fundação do Quarteto.

Uma nova tentativa fracassada de homicídio na quinta-feira, desta vez contra um deputado do partido majoritário Nida Tunis, voltou a gerar procupações.

O problema do terrorismo segue muito presente no país e causa um receio constante entre a população desde o início do ano, quando dois atentados jihadistas tiraram a vida de 60 turistas estrangeiros no Museu do Bardo (em março) e em uma praia da cidade litorânea de Sousse (em junho).

"Neste momento difícil, depois dos atentados, este prêmio permite voltar a estimular o diálogo. Esse é o maior impacto", ressaltou Ben Moussa.

A premiação também dá mais folego para que as negociações tentem resolver problemas do passado, como a polêmica lei de reconciliação econômica, um tipo de anistia fiscal para os envolvidos em casos de corrupção durante a ditadura.

"Há uma lei de reconciliação econômica que dividiu os políticos e partidos. Nós, do Quarteto, estamos aqui para buscar uma iniciativa que resolva essa reconciliação. Esse prêmio nos ajuda nessa dura tarefa", concluiu Ben Moussa.

Apesar dos progressos, o ativista considera que ainda há um longo caminho a ser percorrido com o uso do diálogo.

"Não podemos falar como se estivéssemos na época de Ben Ali. Hoje há liberdade de opinião e de imprensa, não vai ter marcha à ré, mas é preciso seguir promovendo leis e desenvolvendo a constituição para que seja implantada. Faltam reformas como o julgamento dos detidos e o fim da tortura, além de visitas a prisões sem aviso prévio", comentou.

Segundo Ben Moussa, "há altos e baixos nos direitos humanos e nada pode ser mudado da noite para o dia, mas enquanto a sociedade civil existir e houver militarismo será possível avançar", considerou.