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Perón versus onça-pintada: nova polêmica entre Macri e kirchneristas

Em Buenos Aires (Argentina)

19/01/2016 10h11

A decisão do novo governo da Argentina de incluir figuras de animais nas novas cédulas de pesos se transformou em uma nova fonte de polêmica com o kirchnerismo, reticente a aceitar que a baleia franca austral e a onça-pintada substituam os ex-presidentes Hipólito Yrigoyen e Juan Domingo Perón.

A inflação argentina, uma das mais altas do continente americano, acima dos 20% anuais, tornou imperativo pôr em circulação cédulas superiores às de 100 pesos (equivalente a cerca de R$ 30), a de maior valor atualmente, com a qual já é difícil pagar um almoço em um restaurante e que não é suficiente para uma entrada de cinema nas salas mais modernas.

O ex-presidente Perón, máxima referência do kirchnerismo, tinha sido escolhido pelo Banco Central da República Argentina (BCRA) para ilustrar as notas de 500 pesos (R$ 150), segundo anunciou no fim de semana o antigo titular da instituição, Alejandro Vanoli, por meio de sua conta no Twitter.

A vitória de Mauricio Macri nas urnas mudou os planos, e a imagem escolhida é a de um yaguareté, nome pelo qual a onça-pintada é conhecida na Argentina, que estará estampado nas cédulas de maior denominação quando estas entrarem em circulação, em meados de 2016, segundo antecipou o BCRA em uma circular na sexta-feira passada.

Já o ex-governante radical Yrigoyen, selecionado para a nota de 200 pesos (R$ 60) pelo diretório anterior do BCRA, perdeu seu lugar para a baleia franca austral, estrela turística da Península Valdés, na Patagônia, onde centenas de espécimes chegam a cada ano para reproduzir-se.

A nova cúpula do BCRA, liderada por Federico Sturzenegger desde a mudança de governo, justificou a aposta na fauna autóctone por tratar-se de "um ponto de encontro em que todos os argentinos podem sentir-se representados".

"Havíamos escolhido os dois líderes populares mais importantes do século 20 com critério de união nacional", contestou Vanoli.

A Cambiemos, frente conservadora liderada por Macri, rompeu com a alternância entre peronismo e radicalismo que dirigiu o país nas últimas décadas, e muitos argentinos interpretaram as novas cédulas como outro sinal dos ventos de mudança.

"Acabaram-se os heróis. Vamos com os animais e as paisagens nas notas. A baleia e o yaguareté, líderes da mudança", escreveu no Twitter o popular apresentador de televisão Marcelo Tinelli.

Personagens históricos atualmente representados, como os ex-presidentes Domingo Faustino Sarmiento, Julio Argentino Roca, o militar Juan Manuel de Rosas e Eva María Duarte de Perón, cederão seu lugar ao guanaco, ao condor e ao taruca.

"O primeiro passo rumo à perda de identidade é a 'deshistorização'. Os heróis operavam como um sedimento. Os animais anulam a cultura", criticou a filósofa e ensaísta Beatriz Sarlo.

Por sua vez, o historiador Mario O'Donnell lembrou que "sempre há polêmica" sobre as figuras escolhidas para representar o peso, mas opinou que "é bom que as cédulas, de alguma maneira, representem as distintas opiniões".

Em entrevista ao jornal "Clarín", O'Donnell deixou clara sua preferência pelos heróis aos animais, mas abriu a porta a uma terceira opção: "Na realidade, eu gostaria que fosse como no Uruguai, onde aparecem os personagens da cultura".

A decisão governamental abriu caminho para várias brincadeiras nas redes sociais, especialmente pela similaridade do novo papel-moeda argentino com o de alguns países africanos.

"A Argentina é a África?", questionam alguns internautas, enquanto outros pedem espaço para seus ídolos, liderados pelo astro do futebol Diego Armando Maradona.

Apesar da polêmica gerada, não é a primeira vez que a fauna e a flora da Argentina são estampadas na moeda nacional.

Durante a presidência do radical Raúl Alfonsín (1983-1989) circularam moedas que representavam o joão-de-barro, o puma e a ema, e em 2010, por ocasião do bicentenário do país, foram lançadas moedas comemorativas com a geleira Perito Moreno e os lobos-marinhos de Mar del Plata, entre outros.

Como antecipação involuntária da mudança empreendida por Macri, um albatroz aparece na última cédula lançada pela gestão da ex-presidente Cristina Kirchner, a de 50 pesos (R$ 15), dedicada às disputadas Ilhas Malvinas.