Ajudar os imigrantes é dever de todos, afirma premiê italiano

Matteo Renzi*

Em Roma (Itália)

ONU diz que mortos pela crise migratória podem chegar a 30 mil

A União Europeia não deve gerir sozinha esta crise.

O mar Mediterrâneo, berço da nossa civilização, está se tornando um leito de morte para milhares de homens, mulheres e crianças desesperados e sem nome. Essas pessoas tiveram vidas cheias de dor, desespero e esperança, que as levaram a se tornarem vítimas do tráfico humano. As vozes das mães que perderam seus filhos no mar assombrarão nossas consciências. Nós temos que deter essa carnificina.

Após o mais recente incidente –mais de 800 imigrantes viajando entre a Líbia e a Itália pereceram no último fim de semana, após a embarcação deles ter virado– os líderes europeus, que se reunirão nesta quinta-feira (23) a meu pedido, devem rever nossa resposta ao aumento da imigração ilegal e do tráfico humano na África e Mediterrâneo antes da próxima tragédia.

A localização e papel geopolítico da Itália tornam nosso país um elemento importante nessa luta. Nossos esforços de patrulha e resgate salvaram milhares de vidas. Nós testemunhamos o horror das embarcações lotadas e decrépitas do tráfico afundando no Mediterrâneo, afogando seus passageiros. E essas embarcações representam apenas a ponta dos fluxos imensos de imigrantes ilegais controlados por redes brutais do crime organizado.

O repúdio da Itália diante desse drama em andamento vai além de nosso papel nas operações. O tráfico humano pisa nos valores e riquezas com que nosso mar contribuiu para a civilização. Milênios atrás, nossos ancestrais viviam ao longo dessas costas, celebrando a diversidade, riquezas e plenitude de suas identidades. A Itália e sua cultura são em grande parte um produto desses valores e do trabalho que estimularam.

Meu país não fechará os olhos para essa história. A Itália não permitirá que esses princípios sejam derrotados.

Nós todos somos parcialmente responsáveis pelo surgimento do tráfico –apesar de eu há muito ter expressado minhas preocupações, ciente do risco do derramamento de sangue que agora estamos testemunhando. A resposta da comunidade internacional tem sido insuficiente.

A União Europeia gasta aproximadamente 40 milhões de euros por ano –dentre um orçamento de cerca de 145 bilhões de euros– na Operação Tritão de patrulhamento do céu e mar no Mediterrâneo. Isso é dramaticamente inadequado. A União Europeia deve começar a alocar os recursos apropriados.

A Itália não é o destino final desejado da maioria dos imigrantes, mas nós contribuímos com uma parcela muito grande dos esforços europeus de busca, resgate e patrulhamento, assim como dos recursos para fornecer alimentação, atendimento médico e abrigo inicial. A Itália está engajada em sua capacidade plena. Isso não dever ser o trabalho de um único país, independentemente de quão bem equipado e determinado seja.

A contribuição da União Europeia é de importância fundamental, mas também é insuficiente. A UE não deve ser deixada sozinha por outros países e por agências internacionais em seu esforço de gerir esse fenômeno definidor de nosso tempo. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse no início desta semana: "O Mediterrâneo está rapidamente se transformando em um mar de miséria para milhares de imigrantes". A imigração envolve todos nós e todos devemos contribuir para tratar a questão.

A Itália apoia as seguintes propostas, que encorajo o Conselho Europeu a aprovar na quinta-feira, tendo em vista uma rápida implantação.

  • As atuais operações marítimas pela União Europeia no Mediterrâneo devem ser reforçadas por no mínimo o dobro de recursos e ativos. Devemos estender o escopo da ação além do patrulhamento e do controle de fronteiras, para uma gama maior de tarefas que lhes permita executar um mandato mais eficaz.
  • As operações navais da União Europeia no Chifre da África tiveram sucesso em combater a pirataria –e uma iniciativa semelhante deve ser desenvolvida para combater de modo eficaz o tráfico humano no Mediterrâneo. As embarcações do tráfico devem ser retiradas de operação. Os traficantes são os mercadores de escravos do século 21 e devem ser levados à Justiça.
  • Nós precisamos de novas ferramentas, assim como de fundos adicionais, para uma coordenação eficaz entre os países membros da UE e as agências para atender os requerentes de asilo, abrigando aqueles que precisam e devolvendo os imigrantes irregulares. Precisamos de mais autoridades internacionais em solo na África, lidando diretamente com as questões de imigração. E precisamos ser capazes de transferir de modo eficaz os requerentes de asilo de um país da União Europeia para outro, com base em onde podem obter a melhor proteção.

As causas para centenas de milhares de pessoas buscarem desesperadamente uma vida melhor, colocando em risco a que têm, devem ser tratadas com maior vigor. Apesar de a África estar cada vez mais oferecendo oportunidades às pessoas, ela também oferece novos desafios. Conflitos, Estados fracassados e epidemias ainda representam grandes ameaças.

As economias avançadas, começando pela União Europeia, devem investir mais, tanto em termos políticos quanto econômicos, no crescimento, desenvolvimento e estabilidade do continente africano. O futuro da África no final representa o nosso próprio.

Em uma região muito complexa, a Líbia representa um desafio crucial. Pelo menos 90% dos imigrantes que chegam ao território italiano passam por aquele país. A Líbia é vítima não apenas da instabilidade endêmica, mas também do terrorismo internacional. O Estado Islâmico opera ali, agravando o caos da guerra civil.

Nem todos os passageiros nas embarcações dos traficantes são famílias inocentes. Nosso esforço de combate do terrorismo no Norte da África deve aumentar para superar essa ameaça, que cria um terreno fértil para o tráfico humano e interage com ele. Nós precisamos continuar os esforços políticos e diplomáticos para a reconstrução da Líbia.

Paralelamente, eu aumentei as consultas e colaboração com os aliados da Itália, mais recentemente em meu encontro em Washington com o presidente Obama, visando conceber uma resposta eficaz de contraterrorismo.

Nós não seremos encurralados pelo medo. Nosso caminho para a prosperidade, justiça e liberdade prosseguirá, guiado pela luz dos valores que o Mediterrâneo deu à luz, em benefício de todas as pessoas que vierem em paz a todas as costas de nosso mar.

*Matteo Renzi é o primeiro-ministro da Itália.

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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