Escritora Vanessa Barbara relata seus 10 dias com dengue

Vanessa Barbara

  • Jonny Ueda/Futura Press/Agência Estado

    Agentes de saúde visitam casas para combate o mosquito da dengue no bairro Novo Horizonte em Mogi das Cruzes (SP)

    Agentes de saúde visitam casas para combate o mosquito da dengue no bairro Novo Horizonte em Mogi das Cruzes (SP)

São Paulo, Brasil. Em março, fiquei dez dias de cama, basicamente gemendo e comendo um monte de pera – o único alimento que me apetecia um mínimo. Eu fui um dos cerca de 500 mil brasileiros infectados com a dengue nos três primeiros meses de 2015, mais da metade deles no Estado de São Paulo, de acordo com o Ministério da Saúde. Aqui, um mosquito chamado Aedes aegypti transmite a doença tropical que, em casos extremos, pode levar a hemorragia interna, falência de órgãos e morte. Nesses três meses, 132 brasileiros morreram de dengue, ou seja, mais de um por dia.

Eu provavelmente fui infectada em casa, apesar das medidas de segurança máxima que adotei.

Eu cubro minhas pernas com repelente. Todas minhas janelas e portas têm tela contra mosquito, mas ainda assim eu mantenho duas raquetes elétricas dentro de casa, que parecem com raquetes de tênis e dão um choque elétrico forte o suficiente para matar insetos. Uma fica no quarto, onde eu trabalho, e a outra na sala de estar, onde assisto filmes enquanto bato violentamente nos insetos como por esporte.

Apesar das precauções, os insetos continuaram me picando sem dó. Aquela primeira semana de março não foi diferente, que passei inteira trabalhando e tostando mosquitos em casa.

Mas no domingo acordei cansada e febril, com uma temperatura de quase 39 graus. Estava exausta e com uma dor de cabeça irritante, mas nada de dor de garganta, tosse ou substâncias viscosas escorrendo do nariz. Então fui atrás do Dr. Google e descobri que uma febre repentina que não venha acompanhada de sintomas típicos de gripe é sinal de dengue (ou chikungunya, outra doença transmitida pelo mesmo mosquito listrado).

Logo me lembrei de todos os anúncios na TV e em revistas orientando as pessoas a procuraram cuidados médicos imediatamente em casos de suspeita de dengue, e senti que tinha quase que um dever cívico de relatar a um hospital. Não existe cura para dengue, mas um tratamento precoce diminui o índice de mortalidade para menos de 1%. Além disso, eu estava tomando um anti-inflamatório chamado meloxicam para dor no pescoço e precisava saber, com certeza, se deveria continuar tomando (todo brasileiro sabe que pacientes de dengue não devem tomar aspirina porque isso pode agravar a hemorragia).

Passei mais de três horas na sala de espera de um hospital particular coberto por meu seguro de saúde antes que o médico pudesse olhar meu hemograma. Então ele disse que estava tudo bem, e me contou que testes específicos para dengue só poderiam ser feitos seis dias após o início dos primeiros sintomas. "Sim, poderia ser dengue", ele me disse. "Mas, sinceramente, pode ser qualquer coisa." Ele disse que eu poderia continuar tomando o meloxicam, e me mandou para casa com uma receita para baixar minha febre.

Fiquei aliviada, até que voltei a procurar o Dr. Google. Aparentemente é possível fazer o teste da dengue após o primeiro dia de febre, antes que os anticorpos apareçam. O antígeno NS1 é barato e confiável. Também descobri que definitivamente não era recomendável continuar tomando o meloxicam, porque assim como a aspirina, ele também poderia aumentar o risco de sangramento; meu ortopedista me ligou no dia seguinte para me proibir de fazer isso.

Presumo que o medico que vi no hospital não tenha relatado meu caso como sendo dengue, então acredito que eu não esteja incluída nas estatísticas do Ministério da Saúde. Levei três semanas para descobrir com certeza que era dengue, depois que um exame em um laboratório particular mostrou que meu soro sanguíneo continha anticorpos para a doença.

A situação é ainda pior no sistema público de saúde. Recentemente, um amigo com sintomas de dengue esperou por mais de quatro horas para ser examinado por um médico em um posto de saúde. Por causa do excesso de pacientes, disseram que ele só poderia fazer um hemograma dali a um ou dois dias, e os resultados levariam vários outros dias para serem processados. Testes sorológicos estavam fora de cogitação. "Pacientes que chegam após as 16h precisam voltar no dia seguinte", ele me contou. "Meu médico me aconselhou a voltar 'se a dengue fosse hemorrágica'".

As autoridades de São Paulo estão fazendo um esforço para preencher as lacunas. A prefeitura recentemente montou tendas médicas para tratar pacientes em áreas de alto risco e até chamou o Exército para ajudar. A dengue é endêmica no Brasil, e há ciclos regulares de surtos, especialmente durante a estação chuvosa que vai de janeiro a maio. Há quem diga que a principal razão para a epidemia este ano em São Paulo seja a atual crise hídrica. Uma infraestrutura hídrica obsoleta associada à falta de investimentos transformaram uma simples estiagem em uma grave situação de escassez, e as pessoas passaram a ser obrigadas a armazenar água em recipientes abertos, que são criadouros perfeitos de mosquitos.

Mas a mesma história se repete todo ano, com diferentes desculpas. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a incidência de dengue em todo o mundo aumentou trinta vezes nos últimos 50 anos. Mais de 40% da população mundial agora corre o risco de ser infectada, inclusive pessoas em países desenvolvidos. O vírus tem pelo menos quatro diferentes tipos, ou sorotipos, então mesmo que você tenha tido dengue alguma vez, ainda é vulnerável aos outros tipos. Infecções subsequentes elevam o risco de complicações graves. Até o momento, não existe uma vacina confiável contra a doença.

Minha febre persistiu por quase uma semana. Também tive uma dor de cabeça bem atrás dos olhos – outro sintoma clássico da dengue. Fiquei tonta e muito fraca, tanto que nem conseguia apertar o tubo de pasta de dente. A doença também é chamada de "febre quebra-ossos", por causa da dor intensa nos músculos e nas articulações que ela causa. Tudo que eu conseguia fazer era dormir, beber água e comer um pouco de fruta.

Quando chegou a noite de sexta, minha febre havia baixado, mas junto caiu minha pressão. Toda vez que eu me levantava, minha cabeça girava e eu precisava me sentar – às vezes no corredor ou no chão da cozinha – para não desmaiar. Também tive erupções nas pernas e nos braços. Esses sintomas podem indicar um avanço para dengue hemorrágica, a forma mais grave da doença, com índices de mortalidade que chegam a 20%.

Dessa vez o Dr. Google e eu decidimos esperar e, com o passar dos dias, fui ficando cada vez melhor. No final, tudo que restou foi um pouco de fraqueza – e outros três subtipos do vírus para pegar.

Tradutor: UOL

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