Opinião: Cuba continua sendo um país congelado no tempo

Carlos Manuel Álvarez*

  • Daniel Berehulak/The New York Times

    O país permance como um museu insular, preso entre a Cortina de Ferro e o capitalismo industrial dos anos 1950

    O país permance como um museu insular, preso entre a Cortina de Ferro e o capitalismo industrial dos anos 1950

Um país nunca pareceu tão velho quanto Cuba quando começou a se atualizar. A louca corrida para se desenvolver só serve para confirmar nosso atraso cômico, quase antediluviano. A Fundação New7Wonders, que visa a preservar os monumentos em todo o mundo, acaba de escolher Havana como "cidade maravilhosa". Em um sentido estrito, ela é, mas seus habitantes têm dificuldade para acreditar nisso.

Hordas de estrangeiros inquisitivos estão ávidas para recuar a épocas históricas que estão praticamente extintas em outras partes do mundo. Hoje há voos sem escala de seis companhias aéreas baseadas nos EUA, e o número só crescerá.

Cuba é um museu insular, preso entre a Cortina de Ferro e o capitalismo industrial dos anos 1950. Os símbolos incluem os já insuportáveis Chevrolets clássicos, as máquinas de costura Singer, geladeiras General Motors, carros Lada e Moskvitch, máquinas de lavar Aurika, bonecas matryoshka, propaganda militar e do Partido Comunista.

É provável que poucos cubanos, se tivessem a chance de se mudar para algum lugar melhor, perderiam a oportunidade de deixar Cuba como é, intocada, congelada no tempo, coberta de fuligem e luz, envernizada com aquela pátina curiosa e atraente de uma era em que a sobrevivência, entretanto, é tão terrivelmente difícil.

Os viajantes que estão reservando passagens em voos sem escala para Cuba, aprovados pelo Estado, devem ser avisados: "Não tenham medo. Comprem suas passagens com toda a calma e confiança do mundo de que nada mudou". Os recursos que nós cubanos usamos para nos modernizar, e todas as boas notícias que transpiraram nos últimos meses desde que as relações com os EUA foram retomadas, não modificaram o "status quo". Por isso não há nada a temer. Havana ainda não está se transformando em uma Dubai.

Para os cubanos, isto resulta na incômoda experiência de sermos vistos como algo parecido com uma espécie exótica. O ambiente nacional parece nos conter e definir, e nos manter com rédeas curtas.

Esqueça a enganosa sugestão de progresso: os desfiles Chanel no Paseo del Prado em Havana; a filmagem pirotécnica de "Fast 8" nas ruas ferventes da cidade (mal pavimentadas e praticamente intransitáveis vários dias antes); o show dos Rolling Stones; ou as visitas de surpresa de Usher, Katy Perry, Rihanna, do clã Kardashian. Nada disso é prejudicial por si só, mas é extremamente desconfortável quando o flerte da aristocracia política, senão a prostituição declarada, tem como cenário a falta de liberdades civis e a acelerada deterioração dos serviços públicos.

O fato de os embaixadores culturais do pop, do rock e da moda estarem nos visitando é um sinal não qualificado de que continuamos sendo o que somos, o que fomos quase eternamente, e não de sermos outra coisa, nova e diferente. O primeiro dia em que nenhuma celebridade nos visitar depois desse período de euforia será o primeiro dia de nossa nova vida.

O único surto substancial de atividade no país é nos parques e nas áreas públicas, onde o governo criou pontos de wi-fi gratuitos para que os cubanos comuns, maravilhados, possam falar pela primeira vez com pessoas amadas no exterior. Nos bate-papos com vídeo, os cubanos veem os rostos e reconhecem os traços de um neto ou irmão que não veem há muito tempo, antes que a imagem congele.

Sento-me em um portal na calçada e me conecto a um wi-fi no parque para enviar este artigo ao editor. Esse parque é um burburinho desenfreado de vozes que não conhecem a privacidade, o espaço dos outros, a reserva, a vergonha. Há quase uma festa acontecendo, uma pequena e divertida revolução. Alguns gritam. Todos expõem seus problemas íntimos a qualquer um que deseje escutar --sua roupa suja, seus desejos mais banais. A mistura de intimidades embaraçosas que as famílias mantêm reservadas fica disponível ao consumo público.

Nas tardes de domingo, o parque novamente parece --ou por causa da disponibilidade do wi-fi ou apesar dela-- um parque da virada do século 20, onde o povo da cidade se reúne para falar, flertar, esticar as pernas.

No mês passado, em seu discurso inaugural na reunião de cúpula da Associação de Países do Caribe, realizada em Havana, o presidente Raúl Castro gabou-se de sua excelente forma mental e física aos 85 anos. Então, para eliminar qualquer dúvida de suas intenções, disse que, independentemente de sua saúde, ele entregará o poder em 24 de fevereiro de 2018.

Isso não foi um lapso, como as mentes retorcidas poderiam supor. Castro não fez nada além de sugerir o rumo que ele está traçando para nosso país. Se a maré histórica prevalecer e Cuba continuar se movendo inexoravelmente em direção ao passado, mais um século de regime autocrático nos aguarda.

*Carlos Manuel Álvarez é um jornalista cubano

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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