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"Primavera Árabe" precisa ser aposentada

Milhares de egípcios se reúnem praça Tahrir, símbolo da primavera árabe no Egito em julho do ano passado - STR/AFP
Milhares de egípcios se reúnem praça Tahrir, símbolo da primavera árabe no Egito em julho do ano passado Imagem: STR/AFP

Thomas L. Friedman

13/04/2013 00h01

Eu acho que agora é oficial: a “Primavera Árabe” precisa ser aposentada. Não tem nada de primaveril acontecendo por lá. O mais amplo, mas ainda vagamente esperançoso, “Despertar Árabe” também já não parece válido, considerando-se tudo o que já foi despertado. E, por isso, o estrategista Anthony Cordesman provavelmente está certo quando afirma que atualmente é melhor falar da “Década Árabe” ou do “Quarto de Século Árabe” – um longo período de instabilidade intranacional e intrarregional, durante o qual a luta tanto pelo futuro do Islã quanto pelo futuro de cada país árabe se misturou em um “choque dentro de uma civilização”.

O final ainda não foi definido

Quando a Primavera Árabe surgiu pela primeira vez, a analogia mais fácil de fazer era com a queda do Muro de Berlim. Mas parece que a analogia correta é um evento diferente da Europa central – a Guerra dos Trinta Anos, ocorrida no século 17 –, uma mistura horrível de conflito religioso e político, que acabou por produzir uma nova ordem de estados nacionais.


Alguns vão dizer: “Eu disse. Vocês nunca deveriam ter desejado que a Primavera Árabe acontecesse”. Bobagem. As autocracias corruptas que nos deram os últimos 50 anos de “estabilidade” eram apenas desastres em câmera lenta. Leia o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Mundo Árabe, da ONU (Organização das Nações Unidas), que explica claramente o que a falta de liberdade, de empoderamento das mulheres e de conhecimento fez com os povos árabes ao longo dos últimos 50 anos. Egito, Tunísia, Líbia, Iêmen e Síria não estão se esfacelando atualmente porque seus líderes foram depostos. Seus líderes foram depostos porque durante um período longo demais eles falharam com grande parte de suas populações. Metade das mulheres do Egito ainda não sabem ler. Isso é o que a estabilidade dos últimos 50 anos trouxe.

Além disso, “nós” não provocamos a Primavera Árabe, e “nós” não poderíamos ter feito nada para interrompê-la. Esses levantes tiveram início com a busca destemida e autêntica pela dignidade por parte dos jovens árabes, que tentavam obter as ferramentas e a liberdade para concretizar todo o seu potencial em um mundo onde eles poderiam visualizar como os restante da população mundial estava vivendo. Mas, assim que eles soltaram as amarras que prendiam suas sociedades, buscando a instauração de governos fundamentados em uma cidadania real, eles se viram competindo com outras aspirações – aspirações para ser mais islâmico, mais sectário ou para restaurar o status quo anterior.

Ainda assim, duas coisas me surpreendem. A primeira é quão incompetente a Irmandade Muçulmana tem se mostrado. No Egito, o governo da Irmandade gerou uma espiral de morte econômica e expôs um judiciário enredado em idiotices, como a investigação do comediante Bassem Youssef, o Jon Stewart do Egito, por ele ter supostamente insultado o presidente Mohammed Mursi. (assista a desconstrução perfeita que Stewart fez de Mursi.) Todas as vezes que a Irmandade teve que optar entre agir de forma inclusiva ou abocanhar mais poder, ela abocanhou mais poder, o que a privou da ampla base fundamental para que realizasse as necessárias, mas dolorosas, reformas econômicas.

A segunda surpresa? Quão fraca tem se mostrado a oposição democrática. A tragédia da centro-esquerda árabe é uma história complicada, observa Marc Lynch, especialista em Oriente Médio da Universidade George Washington e autor do livro “The Arab Uprising: The Unfinished Revolutions of the New Middle East” (“O Levante Árabe:. As Revoluções Inacabadas do Novo Oriente Médio”, em tradução livre). Muitas das elites políticas mais seculares, mais pró-ocidentais do Egito, que poderiam liderar os novos partidos de centro-esquerda, disse Lynch, foram “cooptadas pelo antigo regime” para que participassem dos partidos semioficiais (do antigo regime) e, por esse motivo, “ficaram amplamente desacreditadas aos olhos do público”. Isso fez com que restassem apenas jovens que nunca haviam organizado um partido – ou melhor, um agrupamento heterogêneo de expatriados, ex-funcionários do antigo regime, nasseristas e islamitas liberais, cuja única ideia compartilhada é a de que o velho regime tem que acabar.


Desde que assumiu o poder no Egito, “a Irmandade conduziu o país ao fracasso econômico e ao colapso político”, disse Lynch. “Eles perderam os políticos de centro, eles estão se digladiando com os salafistas e, agora, eles só têm o apoio de seu núcleo, que soma 25%. Não há nenhuma maneira de eles vencerem uma eleição justa, razão pela qual a oposição deveria estar concorrendo – e não boicotando – as próximas eleições parlamentares”. A antiga crença de que é necessário impedir a realização de eleições até que uma sociedade civil moderada possa ser criada é um equivoco comprovado. “Você não pode ensinar alguém a ser um grande jogador de basquete apenas exibindo vídeos para essa pessoa”, disse ele. “A pessoa tem que jogar – e a oposição não vai se tornar efetiva até que possa competir e perder, e ganhar de novo”.

As antigas fontes de estabilidade que mantiveram essa região unida sumiram. Nenhuma potência externa com mão de ferro deseja ocupar esses países hoje em dia, pois tudo que essa potência ganharia seria o direito de pagar a conta. Nenhum ditador com mão de ferro é capaz de controlar esses países hoje em dia, pois as populações árabes perderam o medo. Os primeiros governos eleitos – liderados pela Irmandade Muçulmana – têm ideias erradas. Mas o Islã não é a resposta. O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Mundo Árabe é a resposta. Mas os jovens da oposição democrática ainda não contam com líderes capazes de galvanizar o povo em torno dessa visão.

Considerando tudo isso, a opção “menos ruim” para os Estados Unidos é utilizar sua influência econômica para insistir na adoção de normas constitucionais democráticas, eleições regulares e abertura política – e fazer todo o possível para incentivar os líderes da oposição moderada a concorrer ao governo. Nós deveríamos apoiar qualquer um que deseje implementar as recomendações do Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Mundo Árabe e nos opor quem não pretende fazê-lo. Essa é a única forma para que essas sociedades consigam dar à luz a sua única esperança: uma nova geração de líderes decentes, capazes de garantir que esse “Quarto de Século Árabe” termine melhor do que começou.