'Emendismo' dobra a dívida de prefeitos com parlamentares
Graças ao "emendismo", deputados federais ajudaram milhares de prefeitos a se reelegerem em 2024. Enviaram dezenas de bilhões de reais em verbas do orçamento da União para os municípios gastarem em saúde, estradas, construções e sabe-se lá onde.
O resultado foi uma taxa de reeleição recorde. Oito em cada dez prefeitos candidatos se reelegeram. Daqui a dois anos, será a vez de os prefeitos retribuírem a mãozinha, fazendo campanha para os parlamentares. Assim tem sido e assim será. É o efeito carona.
O tema é um dos destaques do episódio desta semana do A Hora, podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo, disponível nas principais plataformas. Ouça aqui.
A peculiaridade da eleição de 2024 é que isso nunca foi tão forte. Os deputados e senadores bateram recorde de empenho de emendas ao orçamento federal antes da eleição. Foram nada menos do que R$ 73 bilhões na atual legislatura (2023 e 2024) e R$ 59 bilhões nos dois anos finais da anterior. Total: R$ 132 bilhões.
Nos quatro anos do ciclo eleitoral anterior, o valor empenhado pelos parlamentares do orçamento da União foi uma fração disso. Entre 2017 e 2020, o "emendismo" somou R$ 70 bilhões. Foi praticamente a metade do ciclo que terminou na semana passada.
Logo, os prefeitos reeleitos devem o dobro do que deviam aos padrinhos orçamentários. A dívida será paga, não resta dúvida. Se não pagarem, ficarão sem novas e bilionárias emendas nos próximos dois anos. É emendando que se recebe, todos sabem.
Esse efeito carona já foi demonstrado pelos cientistas políticos mais de uma vez. O primeiro "paper" mostrando o "coattail effect" no Brasil foi publicado por George Avelino e Ciro Biderman, ambos da Fundação Getúlio Vargas, em 2012. Outras pesquisas confirmaram que o aumento das bancadas de prefeitos provoca aumento da bancada de deputados na eleição seguinte.
Em 2022, por exemplo, muitos dos grandes partidos que haviam eleito mais prefeitos dois anos antes conseguiram aumentar também o número de cadeiras que ocupam na Câmara dos Deputados: foram os casos do PP, do PSD, do PL e do Republicanos.
Se a regra observada no passado valer e o efeito carona for mantido, o que o resultado da eleição municipal de 2024 projeta para a composição da Câmara dos Deputados daqui a dois anos?
Um crescimento das bancadas dos maiores vencedores, é claro. Quem são eles? PSD, Republicanos, PL, PP, MDB e, talvez, PT. Ou seja, os partidos campeões de emendas devem crescer, enquanto os outros tendem a ficar cada vez menores.
Isso cria um ciclo triplamente virtuoso para essas legendas: quanto mais deputados elegem, mais os parlamentares lhes rendem em emendas e em dinheiro dos fundos eleitoral e partidário.
Na prática, o poder legislativo tende a se concentrar nas mãos do Arenão, o consórcio de partidos fisiológicos. E o governo, seja quem for o presidente, tende a ficar cada vez mais dependente dele. E não há Supremo que evite isso.
Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky
A Hora é o novo podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube.
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