Amanda Cotrim

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Reportagem

Assassinatos aterrorizam cidade de Messi, a mais violenta da Argentina

A população de Rosário, cidade natal de Lionel Messi, vive dias de tensão e medo da violência, com "toque de recolher" voluntário, desde os assassinatos de um frentista, um motorista de ônibus e dois taxistas.

Os crimes foram atribuídos a gangues do narcotráfico que atuam na cidade, a mais violenta e terceira maior do pais, a 300 km de Buenos Aires. Um grupo armado também atirou em um complexo penitenciário da cidade, sem deixar vítimas, logo após o assassinato do frentista.

A brasileira Mayra Curcio, 27, mora em Rosário desde 2018. Ela conta que, mesmo acostumados à violência, os moradores nunca tiveram tanto medo quanto agora.

"Não podemos mais pegar um ônibus ou um táxi em paz, ou seja, os meios de transporte que a maioria dos trabalhadores usa", disse a brasileira, que estuda na Universidade Nacional de Rosário.

Frentista foi assassinado no final de semana, em Rosário
Frentista foi assassinado no final de semana, em Rosário Imagem: Reprodução

A violência dos narcotraficantes que dominam a cidade obrigou diversos serviços, como centros de saúde, escolas, postos de gasolina, transportes e comércios a suspender as atividades, na segunda (11).

"Muitos serviços foram interrompidos como modo de protesto. Ficamos vários dias sem ônibus, os postos de gasolina pararam. Estamos com medo. À noite, a cidade fica deserta", disse Nicolas Fernandez, 32, que trabalha em um escritório.

Permissão para atirar primeiro

Na quinta (14), o governo argentino oficializou um regulamento de uso de armas de fogo pelas forças federais (Gendarmería Nacional, Prefeitura Naval, Polícia Federal e Polícia Aeroportuária).

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Elas poderão disparar "em casos de defesa própria ou de terceiros perante perigo iminente de morte ou de ferimentos graves, para impedir um crime com perigo à vida ou à integridade física das pessoas, podendo prender ou impedir a fuga de pessoas que tenham cometido um crime".

O novo regulamento permite que as forças federais atirem primeiro, mesmo sem ter sido alvejada antes. Antes, não era permitido dar o primeiro disparo, e a norma era primeiro usar a força física, e só depois atirar, se necessário. O governo também anunciou a criação da Unidade Anti-Máfia, que atua na investigação sobre o narcotráfico.

Cidade mais perigosa da Argentina

A mais recente onda de violência em Rosário seria uma reação de gangues do tráfico ao endurecimento das condições nas prisões, por parte do governo estadual, além das restrições às ações do tráfico que aconteciam dentro das cadeias.

Rosário tem a maior taxa de homicídios da Argentina, de acordo com dados oficiais. São 22 por 100 mil habitantes, cinco vezes a média nacional, de 4,2 homicídios por 100 mil habitantes. É uma das mais baixas da América Latina —para efeito de comparação, a taxa de homicídios do Brasil em 2022 foi de 23,4 por 100 mil habitantes.

Mural com imagem de Messi em Rosário, cidade natal do jogador
Mural com imagem de Messi em Rosário, cidade natal do jogador Imagem: Luciana Taddeo
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'Call center' do crime

As penitenciárias antes funcionavam como 'call center' do crime. Agora, os presos mais perigosos foram separados dos demais, e isso causou revolta e resposta das gangues.
Lionella Cattalini, deputada pela província de Santa Fé, onde está Rosário

De acordo com a integrante da Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados provinciais, o poder do narcotráfico em Rosário é explicado, em parte, pela localização estratégica da cidade, que tem saída para várias estradas nacionais e portos que facilitam o transporte de droga para o restante do país e o exterior.

Forças Armadas em Rosário

Após os ataques a pessoas que não tinham qualquer relação com crimes, o governo federal afirmou que as Forças Armadas vão apoiar Rosário.

A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, disse que toda violência cometida nas ruas será denunciada como um ato terrorista. As Forças Armadas na Argentina, no entanto, não podem atuar nas ruas, porque as leis do país não permitem.

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A ministra enviará ao Congresso um projeto de lei chamado de Anti-máfia, que tipifica uma nova modalidade de pena para o crime organizado, inspirado no código penal anti-máfia da Itália. A ministra, no entanto, não especificou os detalhes sobre o projeto.

População apoia Forças Armadas com ressalvas

Nas ruas de Rosário, já se percebe uma quantidade maior de agentes de segurança. Moradores dizem que a atuação das Forças Armadas e das forças federais trará alívio, mas não esperam que isso resolva o problema.

Tanques da Polícia Federal teriam passado pelo bairro Refinaria, de classe média, de acordo com um morador, que preferiu não se identificar.

Julieta Rafe, dona de uma loja de roupas no centro, notou a maior quantidade de policiais. "Na escola do meu filho, tinha um grande efetivo. Eu tenho um comércio de roupas no centro e, em 12 anos, nunca vivi algo parecido. Estamos com muito medo e vulneráveis."

Por medo, população evita as ruas; parque Independência, um dos principais de Rosário, fica vazio
Por medo, população evita as ruas; parque Independência, um dos principais de Rosário, fica vazio Imagem: Mayra Curcio/Reprodução
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Julieta, no entanto, não acredita que as forças federais e o apoio das forças armadas mudarão muito as coisas. Segundo ela, as pessoas temem outra tragédia a qualquer momento.

É como apagar um incêndio com um copo de água. Hoje, quem paga pela guerra entre os narcotraficantes presos e os políticos somos nós, os trabalhadores, com a nossa própria vida
Julieta Rafe, comerciante

"Eu tenho 56 anos e, pela primeira vez, te digo que estou com medo. Eu não vi o exército na rua, mas a maioria das pessoas não se importa com uniforme, seja qual for. As pessoas estão cansadas e querem solução. Politicamente, que as forças armadas tenham que intervir, é um sinal de que perdemos o terreno'', disse o professor José Pablo Matelica.

Não adianta prender quem atirou, mas quem mandou atirar. Do contrário, nada vai mudar
Nicolas Fernandez, que trabalha em um escritório na cidade

Estilo Bukele inspira ministra argentina

Na semana passada, um ônibus que levava agentes penitenciários foi atacado a tiros, ferindo ao menos três guardas, conforme informou o ministro de Segurança de Santa Fé, Pablo Cococcioni.

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Logo após o ataque, a direção de um presídio com detentos considerados extremamente perigosos (presos por tráfico de drogas e assassinato) realizou uma operação-surpresa nas celas.

A ministra da Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, postou uma fotografia da operação nas redes sociais. A imagem mostra cerca de 25 presos divididos em três filas, sentados no chão, seminus, de cabeça baixa, com as mãos para trás. Tanto a operação como a divulgação nas redes teriam causado mais revolta nos criminosos, que responderam disseminando violência.

"Nos presídios federais, contamos com o Protocolo de Gestão para Presos de Alto risco, com o qual controlamos um por um os narco-santafesinos para que não atuem [dentro das prisões] e para que o cárcere não seja um lugar de delito", escreveu a ministra. Esse novo protocolo também teria alimentado a fúria dos narcotraficantes.

Os jornais argentinos relacionam a operação e a divulgação da fotografia ao estilo do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que também costuma explorar a imagem de milhares de presos como uma demonstração de poder do seu governo sobre os criminosos.

A ministra da Argentina e o presidente de El Salvador se encontraram nos EUA, em fevereiro. Na ocasião, Bullrich elogiou a política de segurança pública do país da América Central. Bukele chegou a dizer que estava à disposição da ministra, mas que, como os problemas da Argentina eram menores em relação aos de El Salvador, o remédio também seria menor.

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Bukele foi recentemente reeleito e tem grande popularidade entre os que compartilham uma visão de "linha dura" contra a criminalidade. No entanto, seu método é criticado por muitos analistas que denunciam detenções arbitrárias em massa, maus tratos nas prisões e uma política que vai contra direitos constitucionais do país, causando repúdio de organizações de direitos humanos.

Narcotráfico movimentaria milhões

Na imprensa argentina, não é difícil encontrar reportagens que tentam compreender o poder que o narcotráfico exerce em Rosário. Algumas estimam que o tráfico de drogas na cidade movimente milhões. Em março de 2023, o jornal argentino La Nación noticiou um "levantamento dos processos judiciais mostrando que financeiras, imobiliárias, construtoras, controladas pela classe alta rosarina, participam na lavagem [de dinheiro] dos clãs criminosos mais sangrentos''.

"Com o passar do tempo, os grupos que eram familiares se transformaram em grandes gangues com um poder de cooptação de jovens e com grande penetração social", analisa Cattalini.

Aliado a esse "grande negócio", outras variáveis podem explicar a expansão do tráfico, como a falta de política nacional destinada à prevenção, a crise econômica e a crescente desigualdade social no país.

É preciso políticas sociais e educacionais contra o crime

O reitor da Universidade Nacional de Rosário, Franco Bartolacci, afirma que a cidade está vivendo uma crise de violência urbana e que é urgente tomar medidas de segurança pública e também políticas sociais e educacionais que são, em suas palavras, as que podem reverter a situação.

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Essa semana, o ministro de Segurança da província de Santa Fé, Pablo Cococcioni, interrompeu uma entrevista à Rádio Rivadavia quando o jornalista Marcelo Logonbordi perguntou os nomes das gangues do narcotráfico de Rosário.

"Hoje não está em jogo o nome das gangues", disse o ministro —em seguida, a comunicação foi cortada. O episódio viralizou na Argentina, causando especulação sobre as razões pelas quais o poder público não citou os nomes dos grupos que dominam o tráfico de drogas em Rosário.

Reportagem

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