Amanda Cotrim

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Reportagem

Sem dinheiro para a ciência, prêmios Nobel escrevem dura carta a Milei

Preocupados com os rumos da ciência na Argentina, 68 ganhadores do Prêmio Nobel escreveram uma carta ao presidente Javier Milei na qual afirmam que "o sistema científico argentino se aproxima de um precipício". A Argentina possui cinco ganhadores do Prêmio Nobel (dois pela paz e três pela ciência).

Na carta, eles advertem que o progresso de todos os países está vinculado ao desenvolvimento científico e que estão preocupados com a "dramática desvalorização dos recursos do Conicet (Conselho Nacional de Investigação Científica e Técnica - similar ao CNPq no Brasil)".

Um dos ministérios que foram eliminados pelo novo governo foi o Ministério de Ciência e Tecnologia. "Tememos que a Argentina esteja abandonando seus cientistas, estudantes e futuros líderes da ciência", diz um trecho da carta.

Andrea Gamarnik, renomada virologista, entende que está ocorrendo um desmonte do Conicet. A equipe de Andrea se dedica a estudar a biologia molecular da dengue.

Em entrevista à coluna, ela afirmou que os laboratórios que desenvolvem os diagnósticos de dengue estão com dificuldades de seguir seus trabalhos por falta de recursos. Além disso, o novo governo não tem realizado os procedimentos administrativos que permitem a compra de insumos para os laboratórios, repasse de bolsas de doutorado e financiamento de pesquisas.

"Esse projeto está parado porque não podemos comprar insumos e os jovens pesquisadores estão desmotivados para seguir trabalhando".

A pesquisadora Maria Belén Garcia Fabiani, que investiga o desenvolvimento de métodos de diagnósticos de dengue e outras doenças virais na região, prestou um concurso para a Conicet, mas, com as medidas de Milei, ela não sabe se os aprovados serão chamados. "Isso pode fazer com que os cientistas tenham que se dedicar a outros trabalhos ou mesmo estimule uma fuga de profissionais do sistema público", avaliou.

Lautaro Bertoni é um dos jovens cientistas do Conicet, mas não está conseguindo avançar em suas investigações por falta de recursos.

"Estou esperando o resultado das bolsas de doutorado que teriam que ter saído em dezembro para dar início aos pagamentos em abril. Reduziram a menos da metade as bolsas, de 1300 a 600'', afirmou o investigador que estuda biologia molecular de vírus, como a dengue. Atualmente, a bolsa de doutorado está em torno de 675 mil pesos (R$ 3.300, no câmbio paralelo).

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De acordo com Bertoni, o governo não dá respostas e as negociações levam meses, desde que assumiu o novo presidente do Conicet, Daniel Salamone, indicado pelo novo governo.

Uma greve geral de 24 horas está marcada para o dia 14 de março. A Frente Sindical das Universidades Nacionais anunciou que a manifestação ocorreu pela "profunda crise salarial e de recursos" que atravessam o setor educacional-científico.

A reportagem entrou em contato com o governo, mas não teve resposta.

O porta-voz da Casa Rosada, Manuel Adorni, porém, criticou a carta dos cientistas e afirmou que o governo está construindo "um Conicet que não gasta tempo em pesquisas de duvidosa utilidade".

"O governo aposta na ciência e na tecnologia, o que sempre vamos fazer, inclusive o presidente é um acadêmico com livros escritos e conferências em todo o mundo. O presidente entende a importância da ciência. Estamos construindo um Conicet que colocará seus esforços na bioeconomia e na inteligência artificial aplicada à medicina".

O porta-voz ainda disse que em 20 anos triplicou o numero de pesquisadores do Conicet e que a Argentina está em sexto no ranking de inovação na América Latina. "Sem dúvida os prêmios Nobel que assinaram a carta sabem que uma boa análise científica considera o contexto, e hoje a Argentina é um país empobrecido e não vamos financiar a ciência que não agrega um benefício direto à sociedade".

Reportagem

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