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André Santana

Chegou a hora do eleitor mostrar que além de não ser racista é antirracista

São Paulo, cidade com mais negros do país, tem quatro brancos na disputa principal. Ausente nos debates, combate ao racismo deveria ser prioridade de candidatos brancos e negros - Mariana Pekin/UOL
São Paulo, cidade com mais negros do país, tem quatro brancos na disputa principal. Ausente nos debates, combate ao racismo deveria ser prioridade de candidatos brancos e negros Imagem: Mariana Pekin/UOL

Colunista do UOL

14/11/2020 04h02

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Neste domingo, 15, todas as pessoas que acreditam que o Brasil pode ser melhor sem as desigualdades entre brancos e pretos terão a oportunidade de dar uma contribuição concreta, votando em candidaturas que se comprometam com a luta contra o racismo.

Será a chance de eleger candidatos e candidatas que entendem como as práticas racistas, estruturadas em nossa sociedade, atrasam o desenvolvimento das cidades, geram violências e promovem o descaso com a vida da maioria da população.

O racismo é uma das causas mais decisivas para que as políticas públicas no país, a começar pela esfera municipal, não tenham êxito na resolução dos principais problemas, como educação, saúde, segurança, mobilidade, moradia, emprego e geração de renda.

Basta observar a cor da pele da maioria dos usuários dos serviços públicos, como o posto de saúde, os ônibus e a escola pública, para compreender porque não há uma efetiva preocupação para que esses serviços funcionem bem.

Por isso as eleições deste domingo cumprem uma função fundamental na possibilidade de construção de uma política, de fato, antirracista.

Em São Paulo, cidade com maior quantidade de negros do país — 32% dos mais de 12 milhões de habitantes — a disputa pela prefeitura permanece restrita aos homens brancos.

Quatro deles se encontram mais bem posicionados nas pesquisas. O resultado tem sido a quase ausência total do racismo e dos problemas gerados por ele nos debates sobre o futuro da cidade.

Essa preocupação não deveria ser apenas de candidatos negros, pois a permanência do racismo impacta negativamente na vida de todos os brasileiros.

E também não se resolve o problema apenas elegendo pessoas negras. É preciso conhecer o histórico do candidato, o entendimento que se tem da questão e o compromisso em enfrentar uma pauta que ainda causa constrangimento e dá menos visibilidade, logo, menos votos.

Um ano de intensos debates

2020, o ano do confinamento, foi marcado pela intensidade do debate sobre as questões raciais. A discussão sobre o racismo como aspecto estrutural da sociedade brasileira ganhou o espaço público, a esfera política, os meios de comunicação e as redes sociais.

Os buscadores na internet registraram um crescimento por termos como racismo estrutural. Muitos brasileiros tiveram que pesquisar conceitos desconhecidos como "lugar de fala", "privilégio branco", "colorismo", "necropolítica" entre outros que, pouco a pouco, foram incorporados em textos que tentam explicar a complexidade das desigualdades raciais.

Mais brasileiros admitem que vivem em um país racista e se incomodam com esta constatação.

A violência policial contra pessoas negras, especialmente com a circulação das imagens da tortura e assassinato de George Floyd, despertaram a indignação das pessoas, que passaram a olhar com mais atenção para a violência cotidiana.

Muitas, até então, não faziam relação entre o número de pessoas mortas em ações policiais e a cor da pele dos alvos dos disparos feitos pelos agentes de segurança.

Os movimentos que historicamente denunciam as práticas discriminatórias e lutam por oportunidades iguais para negros e brancos ganharam aliados este ano, com o posicionamento de artistas, empresas privadas, imprensa e o poder judiciário.

Esse apoio agora precisa se confirmar nas decisões que se depositam nas urnas.

Candidaturas negras são maioria na disputa

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em agosto, tomou uma importante atitude a favor de candidaturas negras ao exigir a distribuição paritária dos recursos do fundo partidário.

A Justiça exigiu que a decisão já valesse para as eleições deste ano, confirmando que combater o racismo na disputa eleitoral é urgente.

Em convergência com a decisão do TSE, houve um aumento significativo de candidaturas de pessoas negras.

Nas eleições municipais de 2020, o números de candidatos pretos e pardos alcançou um índice de 49,9%, superando os 48,1% dos que se autodeclararam brancos nos pedidos de registro de candidaturas para prefeito, vice-prefeito e vereador.

Na maior cidade do país, São Paulo, o número de mulheres negras candidatas quase que dobrou este ano, em relação à última eleição municipal.

Foram 132 em 2016 e agora são 250 candidatas negras, disputando vaga para a Câmara Municipal que, de acordo com matéria publicada pela Folha esta semana, até então só elegeu duas vereadoras negras em sua história.

Também aumentou, em 29%, o número de candidatos que se declaram indígenas para o pleito deste ano.

Partidos mantêm desigualdades

Infelizmente, os partidos políticos não fizeram a sua parte.

Pelo país e em diferentes partidos, incluindo os mais progressistas, há denúncias de injustiças na distribuição das verbas partidárias entre as candidaturas, sendo as mulheres e os negros (e as candidatas negras duplamente) quem recebe menos apoio financeiro partidário.

O resultado são candidaturas menos competitivas que não conseguem ultrapassar as barreiras impostas pela discriminação racial.

Em Salvador, cidade com mais de 81% da população autodeclarada negra, o ano foi de intensas discussões sobre a importância de se eleger pessoas negras.

Contudo, até então, as pesquisas de opinião revelam uma liderança folgada do candidato branco que integra o partido que se opôs fortemente às políticas afirmativas no país.

Foi o DEM do candidato Bruno Reis que ajuizou, em 2009, ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a política de cotas na universidade, levando a corte a decidir, por unanimidade, pela constitucionalidade da medida afirmativa de caráter racial.

Chegou a hora do eleitor brasileiro mostrar que além de não ser racista, é antirracista. Para isso, precisa votar em candidaturas comprometidas com a superação desta chaga.

Neste domingo, vote contra o racismo.