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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ignorado na campanha, racismo surge em fala de Bolsonaro no debate da Globo

Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) participaram do último debate na TV Globo e ignoraram o assunto Racismo, proposto por jornalistas da emissora                             -                                 AGêNCIA BRASIL
Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) participaram do último debate na TV Globo e ignoraram o assunto Racismo, proposto por jornalistas da emissora Imagem: AGêNCIA BRASIL

Colunista do UOL Notícias

29/10/2022 16h34

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No último debate entre Lula (PT) e Bolsonaro (PL), promovido pela Rede Globo nesta sexta-feira, 28, o tema Racismo estava entre os assuntos selecionados pelos jornalistas da emissora para que os candidatos fizessem perguntas. Os dois ignoraram, assim como fizeram ao longo da campanha eleitoral de 2022.

O tema, que estrutura as relações sociais, políticas e econômicas do país e compromete a vida de mais da metade da população brasileira, formada por pretos e pardos, foi poucas vezes debatido na disputa presidencial deste ano.

Mais distante do assunto, Bolsonaro inúmeras vezes, antes e já presidente, pronunciou termos e ideias racistas e ainda entregou o órgão federal de preservação da cultura negra, a Fundação Cultural Palmares, a alguém que, ao longo da gestão, negou a existência do racismo no Brasil, criminalizou os movimentos negros e atacou os artistas pretos deste país.

A campanha de Bolsonaro ignorou o convite para a Sabatina sobre o Racismo, realizada em duas oportunidades pelo jornal Folha de São Paulo com as candidaturas à presidência.

Mas foi justamente Bolsonaro que trouxe o racismo para o debate promovido pela Globo.

Ao insistir na farsa de que Lula esteve no Complexo do Alemão, cercado de traficantes da favela carioca, além de mentir despudoradamente como sempre faz, expressou em rede nacional todo o seu racismo, de associar uma comunidade pobre, em sua maioria preta, com a marginalidade.

Assim como já havia ocorrido em outro debate, a afirmação preconceituosa de Jair Bolsonaro deu ao candidato Lula a oportunidade de demonstrar sua relação mais próxima com os moradores de comunidade, exaltando o caráter trabalhador e honesto da maioria das pessoas que habitam esses espaços ignorados pelos poderes públicos e discriminados por boa parte da sociedade e dos meios de comunicação, que reforçam estereótipos maniqueístas.

Logo após o debate, Bolsonaro foi confrontado por um jornalista da Folha de São Paulo, que acusou a mentira na farsa racista sobre a presença de traficantes na visita de Lula ao Complexo do Alemão.

"A imprensa toda que acompanhou a agenda e que acompanha a política daqui do Rio de Janeiro sabe que quem organizou aquela agenda foi o Renê Silva, comunicador, que a imprensa e todos conhecem há 10, 12 anos aqui no Rio de Janeiro. Eu queria saber por que o senhor tem insistido nessa informação, nesta mentira ...", perguntava o jornalista da Folha de São Paulo, quando foi interrompido brutalmente pelo presidente, que se retirou sem responder.

A resposta é óbvia: Bolsonaro é mentiroso e racista e está desesperado para vencer essa eleição, mesmo que para isso ofenda toda uma comunidade e reforce o preconceito contra os pretos e pobres que moram na favela.

Voz das Comunidade é exemplo das potências que habitam as favelas

Bolsonaro e sua equipe não conhecem, ou preferem ignorar, a existência nas favelas brasileiras de pessoas como o jovem Renê Silva, que com seu talento e coragem faz mais pela favela que muitos políticos.

Em 2005, com apenas 11 anos de idade, Renê criou o jornal comunitário Voz das Comunidades, possibilitando que os problemas da favela fossem narrados por moradores da própria favela.

Em 2010, seu trabalho ganhou reconhecimento nacional e internacional, principalmente pela cobertura "por dentro", durante a ocupação das forças policiais no Complexo do Alemão para implantação da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora).

Ao longo desses anos, Renê e a equipe do Voz das Comunidades vêm realizando uma série de ações sociais que oportunizam educação, lazer e acesso a arte para os moradores, além de manter uma cobertura jornalística atenta e questionadora, que denuncia os abusos sofridos pela comunidade e cobram por melhorias.

O racismo de Bolsonaro e o desprezo pela pobreza não o deixam enxergar as potências que existem na favela.

Governo Lula avançou no combate ao racismo. E pode mais

Apesar da boa defesa dos moradores feita por Lula, o ex-presidente perdeu a oportunidade de apontar o racismo do seu oponente, dando o nome correto ao problema que o Brasil ainda insiste em esconder ou minimizar.

Logo Lula, que foi o presidente com mais avanços no tratamento das questões raciais como preocupação de governo.

Como já foi dito nesta coluna, os movimentos negros brasileiros reconhecem a enorme diferença no tratamento do racismo pelos governos do PT, em especial, nos primeiros anos da gestão Lula, quando ocorreram a criação de uma secretária especial, com status de ministério, para a promoção da igualdade racial e a implantação da obrigatoriedade do ensino da história da África e da cultura afro-brasileira.

Soma-se também o impulso às ações afirmativas nas universidades e institutos federais, as políticas para titulação das terras das comunidades quilombolas, para a saúde da população negra, contra o extermínio da juventude, entre outras políticas específicas de combate ao racismo, que deveriam ser abordadas durante os debates.

A ausência da preocupação dos presidenciáveis em pautar em suas campanhas este mal que impede o desenvolvimento justo e igualitário deste país, ceifando oportunidades e comprometendo vidas, só confirma o quanto ainda precisamos avançar nesta questão.

Somente a vitória de Lula poderá trazer um mínimo de esperança de que a eliminação do racismo possa orientar as políticas públicas, tornando-se prioridade para o país.

Caso contrário, com Bolsonaro, amargaremos mais quatro anos de mentiras, preconceitos e negacionismo diante do racismo.

Afinal, para Bolsonaro, pretos, nas favelas ou nos quilombos, pesam em arroba, não servem nem para procriar e são todos traficantes.