André Santana

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Opinião

Na posse de Barroso, Lula teve que ouvir que diversidade importa

Sentado na primeira fila da posse do ministro Luiz Roberto Barroso como novo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), no último dia 28, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, teve mais uma oportunidade de ouvir sobre a importância da paridade de gênero e diversidade racial no Judiciário.

"Aumentar a participação de mulheres nos tribunais, com critérios de promoção que levem em conta a paridade de gênero. E, também, ampliar a diversidade racial", defendeu o ministro Barroso, que ingressou no STF em 2013, por indicação da presidente Dilma Rousseff (PT).

Quando Barroso chegou à mais alta instância da Justiça brasileira, já completava uma década que o atual presidente do Brasil, em seu primeiro mandato, tomava decisões para a institucionalização de políticas para a igualdade racial e de gênero no país.

Nas gestões de Lula na presidência, foram adotadas medidas de impacto na sociedade, nas instituições e na vida de milhões de brasileiras e brasileiros, pretos e pardos, que compõem a maioria da população do Brasil.

Ações cujos frutos são perceptíveis na atualidade, quando mais e mais negros avançam em espaços importantes como a universidade, o sistema de Justiça e os meios de comunicação, mas que parece terem sido esquecidas pelo político que tanto contribuiu para as suas implementações.

Como um contrassenso, o líder popular do maior partido do país precisou ouvir no elitizado e nada diverso espaço do STF, um discurso progressista, de acolhimento das pautas mais urgentes para a inclusão e a cidadania de parcelas significativas da sociedade historicamente apartadas dos direitos democráticos fundamentais.

Diferente da defesa feita por Barroso em sua posse, dias antes, em entrevista para jornalistas, Lula havia descartado raça e gênero como critérios na escolha para o novo integrante do STF.

Tudo indica que o presidente abrirá mão de marcar seu nome na história como o primeiro a alçar uma mulher negra ao STF, em 132 anos de existência da corte.

Pior, se for confirmado um dos três nomes mais cotados para a escolha de Lula (o ministro da Justiça Flavio Dino, o presidente do Tribunal de Contas da União Bruno Dantas ou o advogado-geral da União Jorge Messias), o Supremo ficará, na gestão petista, com a vergonha proporcionalidade de 11 homens e apenas uma mulher.

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Agindo assim, Lula se opõe a sua própria trajetória como governante e vai na contramão dos avanços em torno da diversidade que vem sendo evidenciada no mundo e no Brasil, em especial. Descarta o papel de protagonismo, em uma seara que teria argumento para se destacar.

Conforme destacou a socióloga, Flávia Rios, diretora do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense, a atitude de Lula vai na contramão de uma geopolítica favorável ao Brasil:

"Pensando em uma economia global e pensando qual o poder da questão racial na geopolítica, a fala do presidente Lula não só contradiz a sua experiência de campanha e de posse, como também o coloca na contramão dos principais avanços de partidos que estão em uma perspectiva mais progressista e democrática, como nos Estados Unidos e em países da América Latina, como México, Bolívia, Colômbia", pontuou Rios, que completou: .

"Estamos diante de um país que tem uma potência geopolítica, que as grandes potências globais querem ouvir o presidente do Brasil, porque querem saber o que está acontecendo aqui. Um país que tem neste momento uma vocação para um debate público internacional de direitos humanos, que tem a maior presença afrodescendente e que acabou de passar por um genocídio indígena, seria agora, então, a hora do presidente Lula fazer uma fala positiva em relação à presença de uma mulher negra no STF", ressaltou Flavia Rios, durante debate no canal Pensar Africanamente.

Lula despreza próprio legado

Mesmo com embates e resistência de conservadores e negacionistas da existência do racismo e do machismo estruturais, a década de 2003 a 2013 foi marcada por importantes ações governamentais para a igualdade racial e de gênero.

O primeiro mandato de Lula, há 20 anos, iniciou com a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, ambas com status de ministério. Além disso, nomeou mulheres para importantes pastas como o Meio Ambiente, com Marina Silva, Assistência e Promoção Social, com Benedita da Silva, e Minas e Energia, confiado a Dilma Rousseff, que depois se tornaria ministra-chefe da Casa Civil e sucessora de Lula na presidência da República.

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Também foi Lula o responsável pela indicação, em 2006, de Carmen Lúcia ao STF, sendo esta atualmente a única mulher na corte.

Em relação às políticas públicas, nas gestões Lula foram criadas a Lei Maria da Penha, que implantou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres; as políticas de ações afirmativas, que possibilitaram a criação de cotas raciais e socais nas universidades públicas; a lei que tornou obrigatório o ensino da história da África e da cultura afro-brasileira e a política de titulação das terras das comunidades remanescentes de quilombo.

Tudo isso não foi suficiente para eliminar as desigualdades raciais e de gênero produzidas por séculos de história marcados pela escravização, pela violência do domínio branco e patriarcal e pela inércia institucional de quem governou o país.

Alguns problemas não foram enfrentados como a Política de Segurança Pública, que inclui a violência policial e o encarceramento em massa, que atingem mais os negros, assim como a baixa representatividade política, seja em mandatos ou mesmo na condução dos partidos políticos. Neste último aspecto, é evidente a ausência de representantes com força para a defesa dessas pautas dentro das estruturas partidárias e nas disputas pelos rumos do governo petista.

Os últimos oito anos foram marcados pelo retrocesso nessas e em outras políticas públicas de reparação. Ao contrário, houve uma deliberada atuação do próprio governo federal na criminalização das lutas por direitos e na incitação da violência contra os grupos que já sofrem discriminação.

Por isso, a vitória de Lula contou com a participação decisiva de mulheres e negros, dos que mantinham as lembranças do que ainda poderia ter dado certo e daqueles que, mesmo jovens, já sofriam na pele os ataques do governo do ódio, contrário à diversidade e à inclusão.

Parece que esse legado provoca a comodidade do presidente em relação a essas questões, levando-o a preferir apostar suas fichas em defesa de interesses pessoais (como foi a motivação para a escolha do seu advogado) e em opções que menos tragam insatisfação para o conservadorismo que opera o poder legislativo, do qual o presidente ainda é refém.

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Logo agora, que boa parte da população brasileira acreditou que seria o momento de retomar o rumo da caminhada para equilibrar as distorções entre homens e mulheres, brancos, negros e indígenas; que a esperança foi alimentada por um governo que subiu a rampa com representatividade dessas bandeiras; que pessoas de reconhecida trajetória e acúmulos nessas causas são apresentadas a contribuir pelo Brasil da igualdade, o presidente Lula despreza toda essa construção e descarta a importância de raça e gênero na composição dos poderes.

Na disputa desigual contra um Congresso de maioria conservadora, reacionária e fisiológica, as políticas de reparação necessitariam de um Supremo Federal mais diverso, com a presença de quem conhece mais de perto a realidade de exclusões que mulheres e negros sofrem no acesso aos direitos e à Justiça neste país.

Por enquanto, vamos aguardar que o discurso do ministro Barroso, que parece não sensibilizar Lula, ao menos inspire as tomadas de decisões do colegiado do STF, em favor da cidadania, da diversidade e da democracia.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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