André Santana

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Opinião

'Anjo troncho do Silício', Elon Musk quer lucrar com polarização política

Elon Musk é mesmo um dos 'anjos tronchos do Vale do Silício' a colocar sua ambição por dinheiro e poder acima dos interesses humanistas e democráticos.

O comportamento do dono do X (antigo Twitter) de ameaçar e desrespeitar a Justiça brasileira tem comprovado o quanto ele se encaixa bem na definição dada pelo cantor e compositor Caetano Veloso aos donos das grandes empresas de tecnologias digitais, as chamadas big techs.

Na canção Anjos Tronchos, que integra o mais recente álbum Meu Coco, de 2021, o artista baiano, com seu peculiar talento para as palavras, descreve com magistral ironia poética a desordem cultural provocada pelo domínio das plataformas digitais.

Na composição, os "anjos tronchos do Vale do Silício" são daqueles que "vivem no escuro em plena luz" e pregam que devemos ser virtuosos no vício das telas "dos azuis mais do que azuis".

O que importa para esses anjos caídos é que nossos neurônicos sejam transformados em ritmos acelerados para que, cada vez mais presos às telas, possamos consumir seus conteúdos, compartilhando nossos interesses, desejos e fraquezas, que alimentam os dados algorítmicos para que estes trabalhem para potencializar nosso vício e nosso encarceramento no ambiente digital.

Um ciclo vicioso alienante

Não em todo o universo da internet, que é múltiplo, potente e pode ser libertador, mas sim no restrito mundo controlado pelas plataformas digitais. Elon Musk sabe que os conteúdos que geram mais repercussão e compartilhamentos nem sempre originam de uma produção ética, criteriosa e que atendam a um interesse público ou que têm condições de influenciar a sociedade para mudanças positivas.

As redes sociais, na lógica atual das big techs, são terrenos férteis para a proliferação da desinformação, dos discursos de ódio e da criação de falsas polêmicas que desorientam e desviam o foco do que realmente importa.

As próprias acusações feitas por Elon Musk à Justiça brasileira e, especificamente, ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, geram mais barulho e acirram animosidades, ao invés de promover um entendimento dos usos e abusos das tecnologias digitais.

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Não tem nada de preocupação com a liberdade de expressão e, sim, com o interesse em gerar mais e mais dinheiro para os "anjos já mi ou bi ou trilionários" da canção.

Discursos de ódio no X cresceram com Musk

Pesquisadores que monitoram os conteúdos dessas plataformas e denunciam a propagação da violência e do ódio, especialmente contra grupos já marginalizados pelas nações - como mulheres, negros, indígenas, LGBTQIA+, muçulmanos e pessoas com deficiência -, revelam o crescimento desenfreado desses crimes cibernéticos e a necessidade dos governos legislarem sobre esses ambientes.

Na verdade, a tão necessária regulação das redes é basicamente fazer valer as leis já existentes nos países de forma a enquadrar essas empresas que se blindam por terem sedes na 'acima de qualquer suspeita' região da baía de São Francisco, na Califórnia (EUA), como se fosse um local desterritorializado e sem interesses econômicos e políticos.

Relatórios publicados por centros de vigilância como o Center for Countering Digital Hate e a Anti-Defamation League, repercutidos na imprensa, revelam que o volume de discurso de ódio no X (ex-Twitter) cresceu drasticamente a partir do comando de Musk, no final de 2022.

A própria ONU emitiu um alerta em janeiro de 2023 contra o discurso de ódio nas redes sociais, dando destaque a um estudo da Network Contagion Research Institute sobre o crescimento da discriminação racial na plataforma depois dela ter sido comprada por Musk.

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Entre as mudanças adotadas pelo empresário, especialistas condenam a demissão em massa de funcionários (cerca de 80% do efetivo da empresa), tornando mais ineficiente o controle dos conteúdos que circulam na rede e a política de usos da plataforma.

Ainda por cima, Musk retornou a liberação de contas bloqueadas pela justiça por violações, como a do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que mobilizou, via X, ataques à democracia e às eleições que resultaram na invasão do Capitólio Americano em 6 de janeiro de 2021.

Portanto, não há dignas intenções e boas novas a serem anunciadas por Elon Musk como quer supor o discurso de defesa da liberdade de expressão contra o autoritarismo da Justiça.

O que o empresário faz é mobilizar a massa de apoiadores de líderes antidemocráticos que violam direitos humanos e atacam movimentos sociais.

O genial poeta do Recôncavo da Bahia, com sua lente ampliada para a atualidade, ao abortar a intromissão das tecnologias nas decisões políticas, descreveu que "Palhaços líderes brotaram macabros / No império e nos seus vastos quintais / Ao que reveem impérios já milenares / Munidos de controles totais".

Discussão sobre regulação é urgente no Brasil

Aqui no Brasil, em que o bolsonarismo quis se prostrar de joelhos aos Estados Unidos, o discurso de Musk se une aos órfãos do inelegível ex-presidente da República e o seu gabinete do ódio, que ainda respiram midiaticamente graças à atmosfera de violência, deslegitimação das instituições e do Estado Democrático de Direito e pela circulação desenfreada de fake news que dominam as redes digitais.

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Elon Musk sabe que precisa da polêmica, dos ataques sensacionalistas, da personificação em figuras públicas como Alexandre de Moraes e, ainda, da polarização política, para manter engajamento, compartilhamentos, likes e views que alimentam suas cifras milionárias.

Que a Justiça brasileira faça valer a nossa democracia e que a sociedade brasileira encare o debate sério, ético e urgente sobre a regulação das redes sociais, impondo os limites constitucionais e criminais.

Afinal, como alerta os versos de Caetano Veloso, de alarmante profecia: "Um post vil poderá matar / Que é que pode ser salvação? / Que nuvem, se nem espaço há / Nem tempo, nem sim nem não."

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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