'Anjo troncho do Silício', Elon Musk quer lucrar com polarização política
Elon Musk é mesmo um dos 'anjos tronchos do Vale do Silício' a colocar sua ambição por dinheiro e poder acima dos interesses humanistas e democráticos.
O comportamento do dono do X (antigo Twitter) de ameaçar e desrespeitar a Justiça brasileira tem comprovado o quanto ele se encaixa bem na definição dada pelo cantor e compositor Caetano Veloso aos donos das grandes empresas de tecnologias digitais, as chamadas big techs.
Na canção Anjos Tronchos, que integra o mais recente álbum Meu Coco, de 2021, o artista baiano, com seu peculiar talento para as palavras, descreve com magistral ironia poética a desordem cultural provocada pelo domínio das plataformas digitais.
Na composição, os "anjos tronchos do Vale do Silício" são daqueles que "vivem no escuro em plena luz" e pregam que devemos ser virtuosos no vício das telas "dos azuis mais do que azuis".
O que importa para esses anjos caídos é que nossos neurônicos sejam transformados em ritmos acelerados para que, cada vez mais presos às telas, possamos consumir seus conteúdos, compartilhando nossos interesses, desejos e fraquezas, que alimentam os dados algorítmicos para que estes trabalhem para potencializar nosso vício e nosso encarceramento no ambiente digital.
Um ciclo vicioso alienante
Não em todo o universo da internet, que é múltiplo, potente e pode ser libertador, mas sim no restrito mundo controlado pelas plataformas digitais. Elon Musk sabe que os conteúdos que geram mais repercussão e compartilhamentos nem sempre originam de uma produção ética, criteriosa e que atendam a um interesse público ou que têm condições de influenciar a sociedade para mudanças positivas.
As redes sociais, na lógica atual das big techs, são terrenos férteis para a proliferação da desinformação, dos discursos de ódio e da criação de falsas polêmicas que desorientam e desviam o foco do que realmente importa.
As próprias acusações feitas por Elon Musk à Justiça brasileira e, especificamente, ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, geram mais barulho e acirram animosidades, ao invés de promover um entendimento dos usos e abusos das tecnologias digitais.
Não tem nada de preocupação com a liberdade de expressão e, sim, com o interesse em gerar mais e mais dinheiro para os "anjos já mi ou bi ou trilionários" da canção.
Discursos de ódio no X cresceram com Musk
Pesquisadores que monitoram os conteúdos dessas plataformas e denunciam a propagação da violência e do ódio, especialmente contra grupos já marginalizados pelas nações - como mulheres, negros, indígenas, LGBTQIA+, muçulmanos e pessoas com deficiência -, revelam o crescimento desenfreado desses crimes cibernéticos e a necessidade dos governos legislarem sobre esses ambientes.
Na verdade, a tão necessária regulação das redes é basicamente fazer valer as leis já existentes nos países de forma a enquadrar essas empresas que se blindam por terem sedes na 'acima de qualquer suspeita' região da baía de São Francisco, na Califórnia (EUA), como se fosse um local desterritorializado e sem interesses econômicos e políticos.
Relatórios publicados por centros de vigilância como o Center for Countering Digital Hate e a Anti-Defamation League, repercutidos na imprensa, revelam que o volume de discurso de ódio no X (ex-Twitter) cresceu drasticamente a partir do comando de Musk, no final de 2022.
A própria ONU emitiu um alerta em janeiro de 2023 contra o discurso de ódio nas redes sociais, dando destaque a um estudo da Network Contagion Research Institute sobre o crescimento da discriminação racial na plataforma depois dela ter sido comprada por Musk.
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Quero receberEntre as mudanças adotadas pelo empresário, especialistas condenam a demissão em massa de funcionários (cerca de 80% do efetivo da empresa), tornando mais ineficiente o controle dos conteúdos que circulam na rede e a política de usos da plataforma.
Ainda por cima, Musk retornou a liberação de contas bloqueadas pela justiça por violações, como a do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que mobilizou, via X, ataques à democracia e às eleições que resultaram na invasão do Capitólio Americano em 6 de janeiro de 2021.
Portanto, não há dignas intenções e boas novas a serem anunciadas por Elon Musk como quer supor o discurso de defesa da liberdade de expressão contra o autoritarismo da Justiça.
O que o empresário faz é mobilizar a massa de apoiadores de líderes antidemocráticos que violam direitos humanos e atacam movimentos sociais.
O genial poeta do Recôncavo da Bahia, com sua lente ampliada para a atualidade, ao abortar a intromissão das tecnologias nas decisões políticas, descreveu que "Palhaços líderes brotaram macabros / No império e nos seus vastos quintais / Ao que reveem impérios já milenares / Munidos de controles totais".
Discussão sobre regulação é urgente no Brasil
Aqui no Brasil, em que o bolsonarismo quis se prostrar de joelhos aos Estados Unidos, o discurso de Musk se une aos órfãos do inelegível ex-presidente da República e o seu gabinete do ódio, que ainda respiram midiaticamente graças à atmosfera de violência, deslegitimação das instituições e do Estado Democrático de Direito e pela circulação desenfreada de fake news que dominam as redes digitais.
Elon Musk sabe que precisa da polêmica, dos ataques sensacionalistas, da personificação em figuras públicas como Alexandre de Moraes e, ainda, da polarização política, para manter engajamento, compartilhamentos, likes e views que alimentam suas cifras milionárias.
Que a Justiça brasileira faça valer a nossa democracia e que a sociedade brasileira encare o debate sério, ético e urgente sobre a regulação das redes sociais, impondo os limites constitucionais e criminais.
Afinal, como alerta os versos de Caetano Veloso, de alarmante profecia: "Um post vil poderá matar / Que é que pode ser salvação? / Que nuvem, se nem espaço há / Nem tempo, nem sim nem não."
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