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O médico e o monstro: Queiroga deve ser interditado a bem da saúde pública

 Jair Bolsonaro e Marcelo Queiroga: o presidente e o ministro não têm pressa para vacinar nossas crianças                            -   Divulgação
Jair Bolsonaro e Marcelo Queiroga: o presidente e o ministro não têm pressa para vacinar nossas crianças Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

29/12/2021 15h27

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Após mais uma entrevista escalafobética que concedeu nesta quarta-feira, à porta do Ministério da Saúde, para falar sobre a vacinação infantil, o médico Marcelo Queiroga deveria ser urgentemente interditado, a bem das crianças brasileiras e da saúde pública.

"Isso é um assunto já pacificado", começou falando mansamente, como se estivesse numa reunião de condomínio para discutir o local da festa de reveillon.

Pacificado como? O Brasil ainda não recebeu as vacinas pediátricas da Pfizer, já aprovadas pela Anvisa e pelos próprios órgãos técnicos do Ministério da Saúde, nem anunciou um plano para a imunização de crianças de 5 a 11 anos, à espera de uma "consulta pública", em que todos poderão dar palpites sobre o que o doutor deve fazer.

Além disso, ele insistiu na necessidade dos pais apresentarem prescrição médica para vacinar as crianças, algo que não foi exigido em nenhum dos 16 países que já iniciaram a imunização pediátrica.

Trata-se de um médico ou um monstro, esse ministro disposto a tumultuar tudo, só para agradar ao presidente Bolsonaro, que é contra as vacinas e já avisou que sua filha não vai correr esse risco? Isso no país onde uma criança morre de Covid a cada dois dias.

Queiroga deveria falar com a comerciante Socorro da Silva, avó de Guilherme, vítima de ovid-19 aos 10 anos, que desabafou, em entrevista ao Globo:

"Ele era como o ar que eu respiro, ele era tudo para mim. Eu me sinto cega, porque ele era a luz dos meus olhos".

Guilherme tinha Síndrome de Down e apresentava várias comorbidades. Após ter contato com um parente infectado, o menino teve febre e foi internado no Hospital da Criança, em Brasília, onde chegou a ficar 12 dias intubado na UTI.

Não se trata só de evitar a morte de crianças, mas também de evitar que elas possam infectar outras pessoas nesta época de festas de fim de ano.

Alheio à vida real, agindo como um autômato que repete sempre as mesmas coisas, Queiroga emposta a voz para justificar o injustificável: o seu boicote à vacinação infantil, que já deveria ter começado, apenas para obedecer a uma ordem do presidente.

"A consulta pública é um instrumento da democracia, amplia a discussão sobre o tema e dá mais tranquilidade aos pais para que eles possam levar os seus filhos às salas de vacinação".

A consulta começou na última quinta-feira, dia 23, e vai até o dia 2 de janeiro. No dia 5, prazo determinado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do STF, Queiroga vai divulgar o resultado. As vacinas só devem chegar ao Brasil a partir do dia 10. Mais quantas crianças morrerão até lá?

Questionado sobre os estados que já anunciaram que não exigirão prescrição médica para vacinar as crianças, ele se incomodou com a pergunta.

"Governadores falam em prescrição médica, prefeitos falam. Pelo que eu sei, a grande maioria deles não é médico, então eles estão interferindo nas suas secretarias estaduais e municipais", criticou.

E o chefe de Queiroga, por acaso é médico para receitar cloroquina em vez de vacinas e dar ordens ao seu ministro da Saúde, o sucessor civil do inesquecível general Pazuello? Este pelo menos tinha a desculpa de não ser médico e estar só cumprindo uma missão militar.

Se não estivessem em jogo a vida de nossas crianças e a saúde da população, Queiroga & Bolsonaro poderiam parecer apenas dois trapalhões em férias, brincando de governar um país de fantasia, em meio à mais grave crise sanitária deste século.

Mais dia, menos dia, as crianças serão vacinadas, mas o tempo que se perdeu, este não tem volta. Muitos outros Guilhermes, como o neto de dona Socorro, poderiam estar vivos, não fosse a irresponsabilidade e o negacionismo doentio desta dupla de malfeitores.

Vida que recomeça.