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OPINIÃO

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Na entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro mostra raiva de mulher e ciúme de Moro

Esta pode ser a última cena de um filme sobre a grande tragédia brasileira que está próxima de acabar no dia 2 de outubro: democracia é sempre o melhor remédio                                               -                                 ANTONIO AUGUSTO/ASCOM/TSE
Esta pode ser a última cena de um filme sobre a grande tragédia brasileira que está próxima de acabar no dia 2 de outubro: democracia é sempre o melhor remédio Imagem: ANTONIO AUGUSTO/ASCOM/TSE

Colunista do UOL

06/09/2022 12h41Atualizada em 06/09/2022 18h12

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Cada vez mais desnorteado após a divulgação de pesquisas com más notícias, à medida em que se aproxima o 7 de Setembro do "Agora ou Nunca", Bolsonaro passou a madrugada desta terça-feira desabafando suas mágoas numa série de tuítes, nos quais se fez de vítima e reconheceu que o problema dele é "a forma de se expressar".

Deu mais uma prova disso na escalafobética entrevista que deu logo cedo à Jovem Pan, a emissora amiga preferida dos bolsonaristas. Mas até lá ele perdeu a paciência com a jornalista Amanda Klein - sempre as mulheres - que o questionou sobre o império imobiliário da família erguido com dinheiro vivo, como revelou o UOL.

O problema não é a forma, presidente, mas o conteúdo misógino das suas imprecações a jornalistas mulheres.

"Você quer me rotular de corrupto, Amanda?", indignou-se, diante da insistência da repórter em lhe fazer perguntas sobre "rachadinhas" e compra de mansões milionárias. "É importante esclarecer qual a origem desses recursos, presidente."

Em vez de dar uma explicação, Bolsonaro resolveu fazer menções à vida privada da jornalista.

"Amanda, você é casada com uma pessoa que vota em mim. Não sei como é tua convivência com ele na sua casa..."

O que tem a ver uma coisa com outra? E seguiu-se o inacreditável diálogo:

Repórter: Minha vida particular não está em pauta aqui.

Presidente: E a minha vida particular está em pauta por quê?

Repórter: Porque o senhor é uma pessoa pública, o senhor é Presidente da República.

Presidente: Respeitosamente, essa acusação tua é leviana.

A que acusação ele se refere? Às perguntas sobre a compra de imóveis ou ao fato de lembrar-lhe o cargo que ocupa?

Na mesma entrevista, Bolsonaro não só mostrou mais uma vez que tem raiva de mulheres, mas também ciúme de homem.

E ficamos sabendo que a demissão do ex-juiz Sergio Moro do Ministério da Justiça se deveu não só por desobedecer às suas ordens para a Polícia Federal proteger sua família e amigos - investigados, exatamente, por prática de "rachadinhas" utilizadas na compra dos imóveis _, mas também por um motivo bem mais prosaico.

"Não tenho nada para defender Moro, tenho péssimas recordações enquanto ministro meu que poderia ter feito muita coisa, não fez, mas esse fato de ir na casa do Moro, até que fosse outro local, até comitê, escritório político dele, é uma agressão. Uma covardia o que fizeram com o ministro Moro", disse, referindo-se à operação de busca e apreensão de material de propaganda irregular na casa do ex-ministro.

Conversa vai, conversa vem, mais calmo, Bolsonaro acabou falando dos planos que tinha para Moro antes do desenlace e da sua decepção ao descobrir a relação que ele tinha com João Doria, o ex-governador de São Paulo, seu desafeto político.

"Sergio Moro tinha tudo para ser um excelente político, trazia uma bagagem muito grande lá atrás da Lava Jato, tinha tudo, talvez ser meu vice (em 2022) e, em 2026, candidato a presidente. Algo subiu à cabeça dele, as amizades que ele cultivou ao longo desse tempo dele como ministro levou a isso, muito chegado ao Doria em São Paulo. Fiquei sabendo que era comum ele visitar o Doria em São Paulo. Nunca reportou nada para mim, você não deve satisfação, não deve, mas por que não?"

Pois é, nas voltas que a vida dá, a "bagagem muito grande lá atrás da Lava Jato" foi o que abriu o caminho para Bolsonaro chegar à Presidência da República, ao mandar para a cadeia da Polícia Federal o ex-presidente Lula, que mesmo preso liderava com folga todas as pesquisas em 2018, assim como agora, até que sua candidatura fosse impugnada pela Justiça.

Depois de cobiçar a cadeira de Bolsonaro quando ainda era seu ministro, Moro viu naufragar sua candidatura presidencial, tentou ser candidato a senador por São Paulo, não deu certo, mudou de partido, e agora tenta uma vaga no Paraná, onde está penando nas pesquisas, atrás de Alvaro Dias, seu padrinho político, o mesmo problema de Bolsonaro, que come poeira com Lula na disputa pela reeleição. João Doria desistiu antes e voltou para casa, não se falou mais nele.

Em janeiro, o ex-capitão e o ex-juiz correm o risco de voltar para o anonimato, de onde foram tirados na onda da Lava Jato, que morreu na praia. E Lula, depois de amargar 580 dias na prisão, está a dois passos de voltar para o Palácio do Planalto, com o voto majoritário do eleitorado feminino, que ironia...

Isso daria um belo blockbuster de Hollywood, baseado em fatos reais, com todos os ingredientes de suspense, traição, perfídia, cobiça, ciúmes, pesadelos, delações, desmoralização da política, da Justiça e das Forças Armadas, conflitos familiares, interesses estrangeiros, imprensa marrom, empresas e empregos destruídos, balas perdidas, vinganças pessoais, tendo como figurantes 212 milhões de brasileiros, que tentam sobreviver em meio ao cenário de florestas queimando e terra arrasada.

No dia 2 de outubro, daqui a apenas 25 dias, poderá ser gravado o final feliz deste filme, com as cenas dos eleitores teclando seus votos na urna eletrônica, até aparecer na tela a palavrinha mágica: FIM. Sobem os créditos.

Vida que segue.

A democracia, tão espezinhada, será o melhor remédio para tanta desgraça.

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