Com tantos bolsonaristas soltos por aí, fica difícil pacificar o país
Cobram de Lula a promessa, feita ainda na campanha, de pacificar o país, sob o lema "união e reconstrução".
Está certo: jornalista tem mesmo que cobrar os governantes, fiscalizar o poder, apontar suas fragilidades e contradições.
Outra coisa é virar ombudsman de presidente, obrigado todos os dias a lacrar em cima do que ele faz ou fala, ou deixa de falar e fazer, qualquer que seja o assunto. Por princípio, ele estará sempre errado e merece críticas dos jornalistas "isentos".
Como nunca acreditei nessa isenção nem na neutralidade jornalística, fico assistindo ao tiroteio de opiniões sobre o episódio de violência envolvendo o ministro Alexandre de Moraes e família, no aeroporto de Roma, e me pergunto o que há por trás desses comportamentos.
Como ninguém vai ficar a favor dos agressores para ganhar cliques, lacra-se então o presidente da República, por compará-los com "animais selvagens".
Quem deveria ficar ofendido são os animais, silvestres ou não, ao serem comparados com certos homens, que atiçam os homens uns contra os outros, para surgirem mais adiante como equilibrados analistas políticos ou salvadores da pátria, lavando as mãos. Animais só costumam se tornar violentos quando lutam pela sobrevivência ou são provocados pelo próprio homem.
No bom jornalismo, um fato nunca deveria ser analisado isoladamente, mas dentro de um contexto maior, que possa apontar causas e consequências.
São recorrentes as agressões a ministros dos tribunais superiores, autoridades em geral, professores, lideres sindicais, a pobres, negros e mulheres, e isso não acontece por acaso, como bem escreveu em sua coluna de hoje no UOL o professor e amigo Walter Maioreovitch, a quem mais uma vez recorro:
"As condutas no aeroporto romano, se comprovadas, não podem ser consideradas isoladamente. Elas integram um quadro de polarização política, com tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro passado e inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro".
O jurista admite que o atual presidente pode ter exagerado no timbre, mas entendeu perfeitamente a reação do cidadão Lula, como a de quem passou 580 dias preso sem provas, diante de mais esse ato de violência do nosso polarizado cenário político, ainda muito longe da pacificação.
Seis meses após assumir o cargo pela terceira vez, Lula ainda não cumpriu a promessa de campanha, pelo simples e bom motivo de que para pacificar o país é preciso "combinar com os russos", ou seja, com os que estão armados até os dentes do outro lado do rio. Se um lado não quer, dois não brigam, dizem... Mas se o outro lado só pensa em conflito e confusão não dá para reagir com flores na mão.
É perfeitamente humano Lula reagir a esses ataques com mais veemência do que quem veio ao mundo a passeio, vivendo no ar condicionado para observar o mundo pela janela, comentando no sofá. Para quem nunca foi preso sem provas, é fácil ditar regras de comportamento.
As ameaças e ações de violência política de raiz bolsonarista não cessaram após as eleições. Ao contrário, tornaram-se cada vez mais violentas, até desaguar nos atentados de 8 de Janeiro. Mais de mil foram presos após o "putsch" em Brasília, é verdade, centenas se tornaram réus e ainda serão julgados, mas enquanto eles estiverem soltos por aí, aqui mesmo, em Nova York ou no aeroporto de Roma, aqueles que lutam pela democracia estarão sempre ameaçados.
Só voltaremos à normalidade democrática quando os responsáveis pelo dia da infâmia, ou melhor, pelo conjunto da obra de destruição do país, que durou quatro anos, depois de julgados e exemplarmente punidos, saírem de circulação. Pacificar o país é uma tarefa de todos nós, não só dos governantes de turno.
Vida que segue.
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