Tiro em Trump acerta em cheio campanha de Biden
Se já estava periclitante a situação de Joe Biden numa fracassada tentativa de reeleição, agora ficou pior.
Sem se saber ainda qual foi a motivação motivação do jovem atirador —registrado como eleitor do Partido Republicano— que acertou a orelha de Donald Trump, sábado, num comício na Pensilvânia, o fato é que o ex-presidente virou mártir, tudo que um candidato quer para imobilizar seu adversário.
Foi graças à facada em Juiz de Fora que o improvável candidato Jair Bolsonaro pulou na frente nas pesquisas, mas as circunstâncias dos dois atentados são bem diferentes. Para começar, Jair não liderava as pesquisas, vinha sempre bem atrás de Lula, e só pulou na frente depois da prisão do favorito pela Lava Jato, substituído por Fernando Haddad, a um mês da eleição de 2018.
No caso norte-americano, acontece exatamente o contrário: quem lidera todas as pesquisas desde o início da campanha é o republicano Donald Trump e não o democrata Joe Biden, que ainda pode ser retirado da disputa, não pela Justiça, mas pelo seu próprio partido, que já discute abertamente o nome de um possível substituto.
Nas últimas semanas, para salvar sua candidatura, Biden centrou o discurso nos ataques a Trump, acusando-o de colocar em risco a democracia americana por buscar o poder a qualquer preço, mesmo por meios violentos, como demonstrou no incentivo à invasão do Capitólio, em 2021, para impedir a posse do democrata.
Pelo menos nas primeiras semanas, Biden não poderá usar essa tática. Pegaria muito mal bater num mártir e pode até lhe tirar votos. O que lhe restaria fazer para inverter as curvas das pesquisas antes da convenção democrata no dia 19 de agosto?
Do outro lado, Trump agora pode jogar parado, só recebendo mensagens de solidariedade e se fazendo de vítima da violência política de que antes era acusado.
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Ponha-se no lugar de Joe Biden, 81 anos, candidato à reeleição contra tudo e contra todos. Fora a mulher, Jill, dá a impressão de que o americano que mais torce e reza para Joe não desistir é justamente seu oponente Donald Trump, agora ainda mais favorito para voltar ao poder na Casa Branca.
A cada dia que passa, a cada aparição pública, fica mais evidente que o atual presidente não tem condições físicas e mentais para mais quatro anos de mandato à frente da nação mais poderosa do mundo ocidental.
Chega a ser comovente ver o esforço que Joe Biden faz para caminhar, ficar em pé, fazer discursos e dar entrevistas, sem tropeçar nas palavras e nos degraus. Nesta quinta-feira, ao final da reunião da Otan, tropeçou duas vezes: chamou Zelensky de Putin e Kamala Harris, sua vice, de Trump.
É normal nesta idade. Eu sei o que é isso. Cinco anos mais novo que ele, uso um andador para não cair, também tenho trocado nomes de pessoas e lugares, esquecido palavras no meio da frase, confundido Jesus com Genésio, mas eu não tenho a responsabilidade de governar os Estados Unidos.
Imagine você, caro leitor, ser um candidato contestado no seu próprio partido, vigiado pela imprensa noite e dia, sob o olhar desconfiado de seus próprios eleitores, tendo que provar a todo momento que está são e saudável, quando a dura realidade mostra exatamente o contrário.
Questões geopolíticas mundiais à parte, o fato é que, a quatro meses das eleições, o ser humano Joe Biden sofre uma pressão desumana para jogar a toalha, passar o bastão, desistir da candidatura. Só ele e Jill parecem acreditar que Joe ainda tem chances de derrotar o inqualificável Donald Trump.
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Quero receberQualquer outro candidato lançado pelo Partido Democrata teria melhores condições de derrotar o republicano, a começar pela vice Kamala Harris que, na primeira pesquisa divulgada com seu nome no lugar de Joe, já aparece dois pontos à frente de Trump.
O que Biden e os caciques do Partido Democrata devem ter pensado e sentido ao ler esta pesquisa, divulgada no mesmo dia em que o presidente convocou uma rara entrevista coletiva para demonstrar que a debacle no vexatório debate com Trump foi apenas um acidente de percurso porque estava cansado naquela noite?
Não foi só isso, como todos sabemos. Nos últimos meses, Joe Biden já vinha dando sucessivos sinais de fragilidade física e confusão mental, o que coloca em risco não só o futuro dos Estados Unidos, mas o das democracias ocidentais, cada vez mais ameaçadas pela extrema direita no mundo inteiro, desde a eleição de Trump, seu grande líder e mentor, desde 2016.
A eleição americana deixou de ser apenas uma disputa entre democratas e republicanos, para ser mais um confronto entre civilização e barbárie, a julgar pelo que Trump já se mostrou capaz de fazer na invasão do Capitólio após a derrota em 2020, sem que os processos daí decorrentes tenham abalado sua liderança nas pesquisas, o que não deixa de ser assustador.
Como pode o eleitorado americano confiar num mentiroso crônico, que já foi condenado pela Justiça num dos quatro processos a que responde e que é capaz de tudo para chegar e se manter no poder?
Espera-se ainda de Biden um gesto de grandeza, renunciando à candidatura enquanto é tempo (a convenção democrata é em agosto), pois só a sua retirada pode evitar o pior, mas até agora nada indica que fará isso, por se achar o único capaz de impedir a vitória de Trump, como declarou na entrevista coletiva, contra todas as evidências. Com um ou com outro, o império americano estará ameaçado, por diferentes razões, e o resto do mundo viverá em constante sobressalto.
Tempos estranhos, tempos perigosos, com duas guerras em andamento, comandadas por dois ditadores (Putin e Netanyahu), e a paz cada vez mais distante.
Só um fato novo e grave na campanha americana pode reverter este cenário, depois dos tiros na Pensilvânia, que não é Juiz de
Fora, mas também entrará na história: é Joe Biden sair de cena e abrir caminho para Kamala Harris. O mundo torce e reza por isso, ao contrário de Trump.
Vida que segue.
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