Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Não é greve - e não é dos professores
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O movimento deflagrado em algumas escolas particulares em repúdio ao retorno das aulas presenciais neste momento - o mais letal da carnificina, também chamada de pandemia de Covid-19 - não deveria ser chamado de greve. Trata-se de uma analogia capenga, que subverte elementos fundamentais do que se reivindica e, por extensão, do que é uma greve.
Greve é, por definição, uma paralisação, uma interrupção voluntária e coletiva do trabalho remunerado com o propósito de pressionar alguma contrapartida ou compensação por parte dos patrões. Não faz sentido chamar de greve uma ação que tem como princípio gerador não somente a continuidade do trabalho, como, de modo geral, sua intensificação.
Nenhum professor ou professora dessas escolas está de braços cruzados e máquinas paradas. Nenhum professor ou professora, ao menos por enquanto, recorreu ao direito constitucional de fazer greve no sentido concreto da expressão: ausentando-se das aulas, sentando-se no chão do pátio na hora do expediente ou fazendo um piquete diante da escola a fim de impedir a entrada de alunos e funcionários. Ao contrário, o trabalho remoto tem representado, quase sempre, aumento da carga de trabalho. É preciso reunir materiais, organizar atividades com maior presença de recursos audiovisuais, preparar aulas num formato relativamente novo, corrigir todos os trabalhos e todas as lições pelo computador, sem a facilidade da caneta vermelha sobre papel, e ainda supervisionar as atividades de sala, acompanhar se a turma está fazendo o que foi orientado. Saudade de bisbilhotar de carteira em carteira para ver como estão se saindo, não é, minha filha?
Se a greve dos professores não é greve, ela tampouco é dos professores. Não é em nome dos professores, somente, que o movimento opera. E é justamente essa permanente invisibilização dos demais profissionais que compõem uma escola e que constroem o setor educacional - em qualquer estabelecimento de ensino, privado ou público, de elite ou de quebrada, em São Paulo ou em qualquer outra cidade - é exatamente aí que está a gênese dessa compreensível reivindicação.
A notícia do início da vacinação dos professores no Estado, quase três semanas atrás, foi recebido com merecido entusiasmo. Ficaram de fora da campanha, no entanto, profissionais cuja presença é indispensável à abertura de qualquer escola, caso dos porteiros, merendeiros, bibliotecários e equipes de transporte escolar. Também foram excluídos da primeira lista os profissionais com menos de 47 anos, dividindo mais uma vez a sociedade em castas, em primeiro e segundo escalões.
O professor imunizado, caso pegue Covid, provavelmente terá poucos efeitos colaterais e vencerá a doença, possivelmente em casa, sem internação. Já o porteiro, veja bem, esse pode campear pela rede pública hospitalar em busca de um leito de UTI, disputar os centímetros cúbicos de oxigênio que talvez lhe caibam na xepa da superlotação, ser intubado e, com a proteção de minha Santa Teresa de Calcutá, quem sabe possa voltar pra casa, depois de ter contaminado a esposa e os quatro filhos.
Ah, sim, bem lembrado: os lotes de vacina previstos para os profissionais da educação acabaram e, até o fechamento desta coluna, a segunda dose não estava garantida para eles. Tampouco haviam inventado uma forma de abrir escolas sem os porteiros e as merendeiras. Nem solucionar um impasse que, pela ótica dos gestores, deve ser um simples detalhe: o fato de a maior parte desses profissionais terem menos de 47 anos.
Na ausência de uma gestão minimamente razoável da crise sanitária, na falta de uma política séria e efetiva que trate das escolas com senso de urgência e a atenção que elas deveriam ter recebido desde o início, em São Paulo e em todo o Brasil, essa greve dos professores não é greve e não é dos professores. Trata-se de zelo, de cautela, não apenas consigo mesmos e seus familiares, mas, sobretudo, com teu filho, com tua filha, com todos aqueles com os quais essas crianças e adolescentes convivem. É preciso parar (em casa). As escolas fecharam com 700 mortes por dia - elas não vão reabrir com uma média diária em torno das 3.000 mil.
Às vésperas do 1º de maio, que esta seja uma não-greve potente, que se espalhe e que inspire um número cada vez maior de professores, um número cada vez mais amplo e solidário de pais e mães, e, principalmente, de gestores. O momento é de atenção total, voltemos a discutir abertura de escola daqui a trinta dias. Não agora. Hoje, ainda devemos nos concentrar em buscar soluções para evitar a circulação de pessoas e o contato entre bolhas.
A abertura, tão desejada e tão necessária, precisa aguardar mais um pouco. Que ela seja lenta, gradual e, principalmente, segura.
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