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Camilo Vannuchi

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Aprovado o cultivo de cannabis, a planta da maconha

cannabis canabidiol - Fernando Moraes
cannabis canabidiol Imagem: Fernando Moraes

Colunista do UOL

08/06/2021 19h34

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Muito oportuna a aprovação, em comissão especial na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 399/2015, que autoriza o comércio de medicamentos que contenham extrato ou substrato da espécie cannabis sativa bem como seu cultivo para uso medicinal, veterinário e industrial no Brasil.

Cannabis sativa é o nome científico da planta da maconha - principal razão dos seis anos de intervalo entre a elaboração do projeto e sua aprovação na tarde desta terça-feira (8/6). A polêmica era previsível. E justifica, por exemplo, que você, leitor ou leitora de bem, que defende a família e os bons costumes, deixe registrado ali na área dos comentários, sua opinião apressada, sua agressão preconceituosa e seu protesto contra este colunista que, comemorando um troço desses, só pode ser maconheiro e vagabundo (um pleonasmo). Como ninguém até agora aprovou a legalização ou descriminação do uso recreativo da maconha - seja em bolos, doces ou cigarros -, vamos nos ater ao factual.

O substitutivo aprovado na Câmara autoriza o comércio de medicamentos que contenham substâncias presentes na planta da maconha, o que já vinha sendo praticado no Brasil desde decisão técnica publicada pela Anvisa, em 2019. Uma das novidades é que ele também admite o cultivo da cannabis para uso medicinal, veterinário ou industrial. Atualmente, no Brasil, é possível consumir, importar e até produzir medicamentos à base de cannabis, mas o extrato da planta precisa ser adquirido fora do país, porque a lei ainda proíbe o plantio em todo o território brasileiro. Ou seja: não podemos produzir a matéria-prima, mas podemos importá-la de países mais inteligentes, desenvolvidos e esclarecidos, que, além de terem liberado o plantio por conhecerem o avanço que isso representa, ainda ganham dinheiro vendendo a pacientes e laboratórios farmacêuticos instalados em colônias notadamente governadas por gestores menos inteligentes, desenvolvidos e esclarecidos, que autorizam o consumo e o comércio sem autorizar a cadeia produtiva.

Planta-se cannabis, neste caso, de olho em dois derivados, por assim dizer, da planta: o canabidiol e o cânhamo. As propriedades medicinais do canabidiol, uma das substâncias químicas presente na cannabis (e que não causa efeitos psicotrópicos), são comprovadas cientificamente e têm se mostrado não somente eficazes como, muitas vezes, a única alternativa para amenizar sintomas e promover melhora significativa no quadro clínico de pessoas diagnosticadas com epilepsia, esclerose, Alzheimer, Parkinson, autismo, distúrbios psíquicos como depressão e ansiedade e até alguns tipos de câncer. Daí o uso terapêutico do óleo de canabidiol em humanos e também em animais. Já o cânhamo, fibra extraída da cannabis, é insumo para a produção de roupas, calçados, embalagens, potes e outros materiais. Daí o uso industrial.

Mas como vai se dar esse cultivo e essa produção? O texto aprovado na Câmara traz os detalhes. Primeiro, o plantio será restrito às pessoas jurídicas. Segundo, será exigida autorização prévia, expedida pela Anvisa (quando o cultivo for destinado ao uso medicinal) ou pelo Ministério da Agricultura (em caso de uso veterinário ou industrial). Esses mesmos órgãos serão responsáveis por fiscalizar. A produção dos medicamentos seguirá normas já consolidadas pela Anvisa. Então quer dizer que nenhum comércio de cigarros, buchas, tijolos ou trouxinhas de maconha será tolerado? Isso mesmo! Não de acordo com o referido projeto de lei, que foi protocolado pelo deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), recebeu emendas e contribuições feitas por parlamentares de diferentes partidos, como Natália Bonavides (PT-RN), Alexandre Padilha (PT-SP), Tiago Mitraud (NOVO-MG), Sâmia Bonfim (PSOL-SP) e Bacelar (PODE-BA), e foi consolidado no relatório apresentado por Luciano Ducci (PSB-PR) e aprovado na comissão especial, presidida por Paulo Teixeira (PT-SP).

São centenas de milhares de pacientes e familiares que aguardam, com esperança renovada, o fim da tramitação dessa proposta. Sua aflição tem a ver com a insegurança jurídica atual, uma vez que a legislação traz maior confiança na continuidade do tratamento, e também com a questão financeira. A dependência de matéria-prima estrangeira dificulta a inauguração de novos laboratórios dispostos a produzir tais medicamentos e torna muito alto o custo do óleo, restringindo o acesso de quem poderia ser beneficiado com esses produtos e não tem condições de adquiri-lo.

Tudo indica, no entanto, que este roteiro macabro ainda está longe da solução definitiva. Quando a notícia é boa, e nos convida a celebrar a vida e a ciência, até o mais maconheiro dos santos desconfia. Afinal, vivemos no Brasil, onde o obscurantismo não dá trégua. Como era de se esperar, os setores mais reacionários da nossa política fizeram o diabo para vetar o projeto. Apelaram, como de hábito, para a indústria da boataria e para o terrorismo verbal. Para esses, o projeto de lei (por certo um projeto comunista) terá o condão de liberar o uso recreativo da maconha, uma droga do demônio, pesadíssima, que é porta de entrada para a delinquência e necessariamente fará com que o Brasil se torne um antro de banditismo, viadagem e pouca vergonha. O resultado, sempre segundo os fanáticos da burrice e do atraso, é que nossos filhos estarão todos estirados nas calçadas e fumando crack sessenta dias corridos após o primeiro cigarro alucinógeno. Benza-Deus.

Neste contexto, era de se esperar que a disputa na comissão fosse apertada. A votação terminou em 17 x 17 e foi desempatada pelo relator. Embora sua aprovação fosse suficiente para que o projeto seguisse imediatamente para o Senado, a base governista (leia-se conservadora) já declarou que vai exigir a ratificação em plenário - uma estratégia excepcional muito parecida com pedir recontagem de votos, entende? Por fim, Jair Messias Bolsonaro, o ungido, mito entre todos os mitos e sabe-tudo da medicina e da saúde pública, já prometeu que vetará o projeto.

Essa gente - gente? - tem um projeto de país. É claro que tem. E esse projeto de país é coerente com o projeto de país de quem defende tratamento precoce para a Covid à base de cloroquina e ivermectina, recusa ofertas de vacina, aposta em imunização de rebanho, despreza o uso de máscaras, promove aglomerações e defende a abertura total do comércio, das escolas e das fronteiras. E viva a Copa América!