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Roberto Marinho é brigão e teme o fracasso em novo livro de Eugênio Bucci
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Leonel Brizola dizia que ele era uma espécie de Stálin das comunicações. Quem não concordava com ele era prontamente enviado para a Sibéria. Uma Sibéria metafórica, mas ainda assim deserta e gelada, onde o ostracismo ganhava ares de condenação. "É a força política mais importante do país, nada se faz sem consultá-lo", perpetrou Chico Buarque em entrevista ao documentário Muito Além do Cidadão Kane, de 1993, dirigido por Simon Hartog para o Channel 4, um canal público do Reino Unido. "Eu acho que ele é mais poderoso que o Cidadão Kane, inclusive. É assustador."
Roberto Marinho, o dono do Grupo Globo - que até o fim da vida distribuía cartões de visita em que se apresentava apenas como "jornalista" -, tinha 88 anos quando motivou as declarações acima. Ele morreria dez anos após o lançamento do filme, aos 98 anos, no Rio de Janeiro. Na semana em que completaria 100 anos, em dezembro de 2004, foi "homenageado" com o livro Roberto Marinho, escrito pelo funcionário Pedro Bial. "A história do Doutor Roberto só poderia ser narrada como texto jornalístico, até por respeito, e também como homenagem ao personagem principal", escreveu, na introdução. Na obra, o tom de deferência, apontado por muitos críticos, pode ser verificado na opção por tratar o personagem como "Doutor Roberto" e "nosso companheiro" - sem as aspas - e numa espécie de arrebatado alumbramento que Bial explicita desde as primeiras páginas. "Roberto Marinho? Nunca imaginei que me coubesse tal missão, escrever, com independência, um perfil biográfico de Roberto Marinho", anotou o biógrafo. "Assim como nunca sonhei em vir a ser apresentador do Fantástico ou do Big Brother Brasil".
Desde 2004, outros livros sobre Roberto Marinho - e sobre a Globo - pipocaram nas prateleiras. Lily Marinho, a esposa, lançou Roberto & Lily na mesma época em que Bial lançou o seu. Paulo Henrique Amorim dedica ao dono da Globo e a sua empresa boa parte do livro O quarto poder, de 2015. Leonêncio Nossa foi mais fundo em Roberto Marinho: o poder está no ar, de 2019.
O livro de Eugênio Bucci que acaba de sair pela Companhia das Letras, também intitulado Roberto Marinho - o subtítulo Um jornalista e seu boneco imaginário aparece somente numa página interna -, tem muitos trunfos. O primeiro deles talvez seja o tom, bastante equilibrado, sem as tintas que costumam converter quaisquer referências ao personagem ora em hagiografia, ora em ataque. Outro trunfo é a escrita sempre saborosa de Bucci, capaz de esmerilhar os episódios mais densos e graves até torná-los leves e ritmados. Com tempero e sustança. Os taninos estão ali, com adstringência marcante, mas o texto desce aveludado, encorpado na medida, e enche a boca a cada gole.
São muitos os robertos que se sucedem no texto do também jornalista Eugênio Bucci, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP. O adolescente mirrado que apanhou na escola e transformou a surra em estímulo para malhar. O jovem pugilista que usava da agressão física quando entendia que havia a necessidade de "prestar contas" com alguém. O primogênito de 26 anos alçado ao cargo de diretor de jornal. O jornalista pouco à vontade diante do fato de ter se tornado um "homem de empresas". O empresário com medo de fracassar num mercado tão novo quanto a televisão, um ramo mais afeito à publicidade e à indústria do entretenimento do que ao jornalismo. O político sagaz, capaz de dobrar parlamentares e subverter a Constituição em defesa de sua Vênus Platinada. O amigo dos militares, cada vez mais próximo, cada vez mais íntimo, que logrou construir a maior rede de radiodifusão do Brasil.
As diversas facetas do magnata do Grupo Globo - que o rival Assis Chateaubriand, dos Diários Associados, atacava utilizando expressões como "crioulo" ou "cafuzo" - estão neste perfil biográfico, recheado de contexto político e de referências psicanalíticas. Num texto fluido, construído em capítulos curtos, Bucci compõe um perfil do homem da Globo e tangencia a personalidade complexa de um garoto inicialmente tímido, filho de uma família de classe média que acenderia socialmente nas primeiras décadas do século XX, até se firmar como o barão da mídia, mais poderoso do que muitos presidentes. "Com sorte, determinação, disciplina e malícia, além de jogo de cintura, o jornalista bem-informado e bem relacionado logo subia na vida", ele escreve. "Não graças a bons salários, mas ao bom trânsito. Quando alcançava o olimpo dos abonados, convidava os poderosos para jantar em sua residência e, nessas ocasiões, era o melhor amigo de infância dos governantes." E ainda: "Sabia ganhar com as tecnologias e, acima de tudo, sabia que essa história de ideologia política era conversa fiada. Para ele, a ideologia era uma questão de ocasião".
Roberto Marinho: um jornalista e seu boneco imaginário está disponível em versão impressa (R$ 84,90) e em e-book (R$ 39,90).
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