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Camilo Vannuchi

REPORTAGEM

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Exposição reúne obras feitas no cárcere por presos políticos da ditadura

Pirogravura sobre madeira feita pelo então preso político Aldo Arantes, em 1978, no Presídio Romão Gomes, em São Paulo. A obra integra a exposição "Imagem-testemunho", em cartaz no Centro MariAntonia - Camilo Vannuchi
Pirogravura sobre madeira feita pelo então preso político Aldo Arantes, em 1978, no Presídio Romão Gomes, em São Paulo. A obra integra a exposição 'Imagem-testemunho', em cartaz no Centro MariAntonia Imagem: Camilo Vannuchi

Colunista do UOL

27/04/2023 04h00Atualizada em 28/04/2023 13h49

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Memória é resistência. Esta frase é dita por um dos protagonistas do filme "O Pastor e o Guerrilheiro", em cartaz em diversas cidades, e sintetiza uma estratégia que tem norteado o trabalho de muitos artistas e intelectuais no Brasil, mesmo cinquenta anos após a guerrilha do Araguaia, pano de fundo da trama contada no longa.

Não fosse acertado o axioma, talvez não houvesse um filme como "O Pastor e o Guerrilheiro". E, provavelmente, seus atores não teriam sido alvos de protestos de bolsonaristas quando houve a première, em agosto, no Festival de Gramado. Arriscando um pouco mais: por que uma Comissão Nacional da Verdade incomodaria tanto?

Memória como resistência também parece ser o mote da exposição "Imagem-testemunho", que estreia nesta quinta-feira (27/4) no Centro MariAntonia, localizado no antigo prédio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. São 41 trabalhos, entre desenhos, telas, xilogravuras, pirogravuras e obras com técnica mista, produzidas entre 1969 e 1978 por doze presos políticos, sempre durante suas passagens por presídios e carceragens de São Paulo.

Manoel Cyrillo 1972 DOPS-SP - Divulgação - Divulgação
Colagem com papel colorido feita pelo então preso político Manoel Cyrillo em 1972 no DOPS de São Paulo
Imagem: Divulgação

DOPS, Tiradentes, Carandiru, Hipódromo e Romão Gomes (Barro Branco) são alguns dos endereços que funcionaram como ateliês para a arte engajada, pungente e urgente, desses memorialistas do traço.

Xilogravura do então preso politico Arthur Scavone feita em 1976 no Presídio Militar Romão Gomes, em São Paulo - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Alguns dos autores ora reunidos já faziam arte antes da prisão, como Sérgio Ferro, já um arquiteto conhecido, Ângela Rocha, estudante de arquitetura, e os artistas plásticos Sérgio Sister e Alípio Freire, que, ainda jovens, haviam participado da Bienal Internacional de São Paulo de 1967. Outros tiveram seu interesse despertado na tranca, algumas vezes como forma de produzir coisas que pudessem ser comercializadas a fim de enviar algum dinheiro para as famílias, outras vezes como processo terapêutico ou mera ferramenta que lhes permitia ocupar-se por algum tempo. Artur Scavone, que logo se tornaria um exímio autor de xilogravuras, Manoel Cyrillo e Rita Sipahi compõem esse grupo.

Pintavam, desenhavam, gravavam, dobravam, colavam e esculpiam também por resistência. Memória é resistência, eles sabiam.

Sérgio Sister 1970 Presídio Tiradentes - Divulgação - Divulgação
Desenho de Sérgio Sister feito com ecoline e caneta hidrocor em 1970, no Presídio Tiradentes, em São Paulo
Imagem: Divulgação

À frente de "Imagem-testemunho" está a curadora Priscila Arantes, hoje vice-diretora da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC-SP. Seu currículo de artista e gestora de arte inclui passagens pelas diretorias do Paço das Artes e do MIS. Mas foi em casa, sobretudo, que Priscila deve ter encontrado inspiração para a presente seleção. Priscila é filha do advogado e ex-deputado Aldo Arantes, que foi presidente da UNE e membro do Comitê Central do PCdoB nos anos 1960 e que, ex-preso político, assina com colegas de cela um dos trabalhos selecionados. É filha também de Dodora Arantes, cientista social, psicóloga e psicanalista, ex-diretora do Sedes Sapientiae e especialista em tortura e clínica do testemunho, a quem Aldo dedicou a gravura de sua autoria.

Dodora
Para que se lembre de amigos a quem você confortou com seu apoio, alegria e com a sua presença. O importante é não perder a esperança. Saiba que lhe queremos muito.
Beijos do Aldo

Takaoka 1969 DOPS - Divulgação - Divulgação
Guache sobre papel feito em 1969 pelo então preso político Carlos Takaoka no DOPS de São Paulo
Imagem: Divulgação

As peças expostas no Centro MariAntonia fazem parte de um conjunto maior, com aproximadamente 300 obras, reunidas ao longo das décadas pelo casal Alípio Freire e Rita Sipahi. Os dois se conheceram em 1973, ambos cumprindo pena no presídio Tiradentes, e se casaram no ano seguinte. Rita conta que o marido, morto dois anos atrás, começou a juntar as peças quando ainda estava preso. Conforme os companheiros eram soltos, ela diz, Alípio foi guardando as obras que ficavam para trás. Coube a ela, anos mais tarde, comprar uma mapoteca para melhor acondicionar tantas preciosidades.

Alípio Freire 1971 Tiradentes - Divulgação - Divulgação
Obra do então preso político Alípio Freire feita com técnica mista em 1971 no Presídio Tiradentes, em São Paulo
Imagem: Divulgação

Perambular pelo espaço expositivo é, também, reencontrar Alípio e sua inspiração contagiante, seus insights criativos e sua inabalável capacidade de congraçamento e articulação. Poeta e jornalista, Alípio pode não ser o melhor desenhista nem o gravurista mais talentoso da mostra, mas essa exposição tem um pouco a sua cara e não deixa de ser uma bem-vinda homenagem.

Memória, você sabe, é resistência.

Artistas que integram a exposição

  • Aldo Arantes
  • Alípio Freire
  • Ângela Rocha
  • Artur Scavone
  • Carlos Takaoka
  • José Wilson
  • Manoel Cyrillo
  • Regis Andrade
  • Sérgio Ferro
  • Sérgio Sister
  • Rita Sipahi
  • Yoshiya Takaoka

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Serviço
Exposição Imagem-Testemunho
Abertura: 27 de abril, 19h
Onde: Centro MariAntonia - Edifício Joaquim Nabuco, rua Maria Antônia, 258, Vila Buarque, São Paulo
Quando: De 27 de abril a 10 de dezembro de 2023
Visitação: terça a domingo e feriados, das 10h às 18h
Classificação: livre
Quanto: grátis
Informações: (11) 3123-5202