Carla Araújo

Carla Araújo

Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Retomada de comissão de mortos na ditadura teve apoio de Defesa e Exército

A reabertura da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos pelo governo federal teve o apoio do Ministério da Defesa e do Exército. Criada em 1995, a comissão ficou paralisada durante a gestão Jair Bolsonaro (PL) e foi extinta oficialmente em dezembro de 2022. Será retomada nesta sexta (30).

Este sempre foi um assunto delicado para as Forças Armadas. Os militares não esconderam o descontentamento da criação da Comissão Nacional da Verdade, em 2011, no governo Dilma Rousseff (PT), falando em "remexer no passado". Durante a gestão Bolsonaro, apoiador da ditadura, o assunto não era nem sequer comentado.

Hoje, a situação mudou. Tanto o ministro da Defesa, José Múcio, quanto o atual comandante do Exército, Tomás Paiva, se posicionaram publicamente a favor da retomada das investigações sobre os desaparecidos políticos entre 1964 e 1985.

Múcio foi procurado por interlocutores da Presidência para ser avisado de que os trabalhos recomeçariam. Em resposta, disse que teria total apoio da Defesa, com o que pudesse, e o mesmo poderia se esperar das Forças Armadas, em especial do Exército, historicamente mais reticente ao tema, mas com novos rumos após o comando de Paiva, considerado um legalista na corporação. A Defesa chegou a enviar um parecer positivo à Casa Civil pela recriação, no ano passado.

Esta era uma demanda do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, desde que assumiu, mas tinha, incrivelmente, a resistência do próprio presidente Lula (PT), que, sob argumentos semelhantes aos dos militares antigamente, não via razão em mexer no vespeiro. Lula chegou a vetar um ato do MDH que relembraria os 60 anos do golpe, em abril deste ano, por preferir evitar o tema.

Ele sofria pressão de diferentes lados. Ministros como Rui Costa (Casa Civil), Anielle Franco (Igualdade Racial) e Nísia Trindade (Saúde) são a favor da retomada dos trabalhos, assim como a primeira-dama Janja da Silva. A causa não é muito afeita aos militares. Também era comum que, em eventos com movimentos sociais no Planalto, ele ouvisse questionamentos de parentes de vítimas da ditadura.

Paiva diz que é uma questão "humanitária". Dentro das forças, pondera-se, inclusive, que só vai "mexer com a reserva" ou com mortos, dado que a quase totalidade dos militares que estavam na ativa à época já se aposentaram ou morreram, caso do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, homenageado por Bolsonaro e morto em 2015.

O Exército, em nota oficial, ressaltou o "caráter humanitário da referida comissão". "Os familiares que perderam seus entes têm o direito de saber o que aconteceu. Caso instada, a Força ajudará nos trabalhos."

Esta demanda também deverá acalmar setores mais à esquerda do governo. Entre petistas e base, apoiadores têm reclamado que o presidente tem aparecido em muitos eventos militares —foram três só na última semana— e ignorado pautas mais ligadas a eles, como esta.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes