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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Queimadas e invasões cercam e ameaçam povo indígena Karipuna: 'Estamos sós'

Povo Karipuna tem denunciado invasões e destruição de seu território causados por grileiros e madeireiros - Chico Batata / Greenpeace
Povo Karipuna tem denunciado invasões e destruição de seu território causados por grileiros e madeireiros Imagem: Chico Batata / Greenpeace

Colunista do UOL

10/09/2022 04h00

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Em meio à pior era de queimadas da história da Amazônia, viver ao lado das chamas é um incômodo e um risco. Indígenas do povo Karipuna, em Rondônia, estão cercados tanto por invasores como pelo fogo e aguardam há pelo menos quatro anos que os governos federal e local os protejam. Um dever que está previsto na Constituição.

A rotina de invasões e desmatamento se intensificou nos últimos anos devido à redução do aparato de fiscalização e punição a infratores ambientais. "A gente tem denunciado isso, mas não resultou em nada. Estamos sós", diz o líder Adriano Karipuna, referência na luta pelo seu povo.

Homologada em 2018, a Terra Indígena Karipuna tem 153 mil hectares e fica entre os municípios de Porto Velho e Nova Mamoré. Em 2019, o MPF (Ministério Público Federal) informava que havia "atuação criminosa de madeireiros e grileiros, sendo constatado que 11 mil hectares já foram devastados em razão da exploração ilícita".

Adriano já viajou o mundo denunciando os ataques aos indígenas de seu povo, mas não encontrou respaldo, porque é ignorado pelos órgãos nacionais.

Para citar alguns exemplos, em 2018, ele esteve na 17ª Sessão do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas das Nações Unidas, em Nova York. Em 2019, discursou em evento paralelo durante a 41ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU [Organização das Nações Unidas], na Suíça. Em 2020, as denúncias foram no Sínodo da Amazônia, no Vaticano.

Desmatamento em área Kaipuna desafia povo que vive no território - Christian Braga/Greenpeace - Christian Braga/Greenpeace
Desmatamento em área karipuna desafia povo que vive no território
Imagem: Christian Braga/Greenpeace

"A gente faz essas denúncias fora do Brasil, mas não tivemos, nem temos, nenhuma proteção ao desmatamento ou para conter o fogo. As pessoas que estão praticando esses crimes não são punidas", diz ele.

Uma das maiores preocupações está nos indígenas que vivem isolados na terra. "Eles estão cercados com esses focos de queimadas e desmatamento no território."

Sem ter brigadas para apagar os incêndios, Adriano conta que o maior aliado contra as queimadas na Amazônia tem sido a chuva dos últimos dias.

"A gente sabe que o atual presidente sucateou os órgãos. Então o que tem nos ajudado é que choveu, mas a gente sabe que basta dar cinco dias de sol que eles vêm e colocam fogo de novo", afirma.

O território karipuna é muito grande, e a gente vê a floresta incendiar e os animais ficarem desesperados. Tudo para que possa fazer pasto ou preparar a terra para plantação de soja, banana e café."
Adriano Karipuna, líder indígena

Adriano Karipuna e Leila Guarani e Kaiowá durante sessão do Fórum Permanente, em abril de 2018 - Luiz Roberto Lima - Luiz Roberto Lima
Adriano Karipuna durante sessão do Fórum Permanente, em abril de 2018
Imagem: Luiz Roberto Lima

Autoproteção

Em 2018, eles lançaram uma operação para tentar expulsar os invasores. Entre agosto de 2019 e julho de 2020, houve uma redução de 49% no desmatamento de vegetação nativa na Terra Indígena.

Mas os últimos meses foram particularmente difíceis. Apesar do discurso, muito comum, de que a invasão é feita por pequenos agricultores que buscam fazer agropecuária de subsistência, ele diz que a realidade é bem diferente disso.

"Na nossa terra, tudo é em grande proporção. Quando falamos de invasão, nós não estamos falando de 500 pés de banana, mas coisa de 30 mil a 40 mil."

Segundo levantamento feito pelo MPF, em 2019 havia mais de 90 cadastros de terras (CAR) feitos por fazendeiros sobre a TI Karipuna. Isso quer dizer que eles apostam nas promessas políticas para conquistar a posse no futuro e demarcam seus espaços dentro da terra indígena.

Não é o pequeno agricultor, como muitos dizem país afora. Não é terrinha, estamos falando se 'terrão', algumas com milhares de cabeças de gado."
Adriano Karipuna, líder indígena

Região do rio Formoso, na TI Karipuna, registrou a maior parte do desmatamento verificado em 2021 - Christian Braga/Greenpeace - Christian Braga/Greenpeace
Região do rio Formoso, na TI Karipuna, registrou a maior parte do desmatamento verificado em 2021
Imagem: Christian Braga/Greenpeace

Condenação

No último dia 10 de agosto, atendendo a pedido do MPF (Ministério Público Federal) em Rondônia, a Justiça Federal condenou a União e o estado de Rondônia a apresentarem um "plano de ação continuada de proteção territorial da TI Karipuna", que deve ter fiscalizações regulares e periódicas na área. O prazo é de 30 dias a contar da notificação.

É notória a ineficiência do poder público na efetivação da proteção das terras dos povos indígenas, circunstância que acaba incentivando a grilagem de terras e consequentes conflitos fundiários, bem como restringe aos indígenas o usufruto de suas terras."
Nelson Liu Pitanga, juiz da 5ª Vara Federal Ambiental e Agrária

Na sentença, o magistrado ainda determinou que a ação seja "compartilhada das Forças Armadas, Polícia Militar Ambiental, Polícia Militar, bem como fiscais da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental e agentes do Ibama e da Funai, em número não inferior a 15 pessoas, com periodicidade mínima de 10 dias por mês".

A Funai é quem deve custear "diárias dos integrantes da equipe de apoio provenientes de forças policiais ou Forças Armadas necessários à execução de atividades de proteção da Terra Indígena Karipuna".

A coluna procurou a Funai (Fundação Nacional do Índio) e a Polícia Militar de Rondônia, mas nenhum deles respondeu sobre as ações que fazem ou planejam fazer para coibir as invasões ao território.