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Aquecimento anula dados históricos e impede previsão exata de chuva extrema
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Apesar de prevista pela meteorologia, a chuva que caiu no litoral de São Paulo no final de semana foi bem maior do que se esperava e surpreendeu pelo intenso volume em 24 horas. Até a noite de ontem, dezenas de pessoas haviam morrido e sido identificadas.
A culpa não é dos meteorologistas. Além da complexidade para fazer as previsões, os modelos climatológicos levam em conta dados históricos que estão sendo anulados devido às mudanças recentes nas temperaturas.
"Os centros de meteorologia já haviam previsto a entrada da frente fria e chuvas intensas no litoral desde quinta-feira", explica José Antônio Marengo, coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e membro titular da Academia Mundial de Ciência.
"Só que falavam em 200 mm em 24 horas. O que choveu foi bem mais que isso, mais de 600 mm em São Sebastião (SP)", diz Marengo, citando a precipitação recorde em São Paulo.
As previsões foram certas em termos de ter chuva abundante, mas subestimaram o que choveu, mais ou menos como que aconteceu em Petrópolis (RJ) em fevereiro de 2022."
José Antônio Marengo, do Cemaden
Por que isso ocorre?
José Marengo afirma que as previsões são feitas com base em modelos climáticos que fazem uma equação com dados históricos e informações mais atuais.
Entretanto, os números coletados por séculos estão mudando de forma rápida e intensa, transformando os padrões do clima e do tempo.
"O aquecimento global é uma nova variável que os modelos climáticos não consideraram e pode mudar a forma como previsão de tempo e clima é feita", explica.
Também há o limite geográfico das previsões: um modelo atual que faça uma previsão de uma área de 200 km², por exemplo, apresenta uma suposta mesma quantidade de chuva em todo esse território.
Só que na vida real temos morros, costas, cidades, vegetação. Nos morros, pode chover mais, devido ao efeito da montanha em canalizar o ar úmido que vem da frente fria."
José Antônio Marengo, do Cemaden
Dados históricos não são mais "reais"
Segundo Cláudio Ângelo, que é coordenador de Comunicação do Observatório do Clima e autor de "A Espiral da Morte - Como a Humanidade Alterou a Máquina do Clima", como a meteorologia trabalha com intervalos de tempo maiores, precisa de dados do passado para entender o presente e o futuro.
"Esses modelos são alimentados com as [variações] normais climatológicas, que são as médias de vários parâmetros —chuva e temperatura, por exemplo— e computadas por muito tempo", diz.
Foi com base nesses dados coletados ao longo de décadas que se estabeleceu, por exemplo, a média de chuva esperada para um determinado mês de uma região. "Só que essas médias normais não valem mais. O passado não serve mais de guia, porque nada mais é constante."
Se formos analisar o caso de São Sebastião —assim como em várias outras cidades—, a média vem mudando, com temperaturas mais altas e anos de pico extremos —seja de mais chuva ou de mais seca.
Isso tem um impacto no futuro porque condena a ter dados ruins para fazer o planejamento urbano. Coloca pessoas em risco porque o que valia há 40, 50 anos, não serve mais para hoje."
Cláudio Ângelo, do Observatório do Clima
Oceanos quentes também dificultam previsão
Segundo o meteorologista Humberto Barbosa, que coordena o Lapis (Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de Alagoas), também pesa no Brasil o fator de estarmos em uma região tropical, que tem mais influência dos oceanos.
Desde os anos 1970, quando as medições começaram a ter métodos mais precisos, a camada superior dos oceanos tem aumentado de temperatura a cada década. "Esse calor está diretamente relacionado com as mudanças climáticas", explica.
Como todos os modelos climáticos levam em consideração essa camada dos oceanos, eles vão ter incerteza ao detectarem chuva intensa. Acabam se tornando limitados."
Humberto Barbosa, meteorologista
Segundo ele, como o oceano tem capacidade de reter o calor, mas está mais quente, ele cria os chamados "rios atmosféricos". "Isso aumenta essa evaporação, que vai alimentar outros sistemas climáticos. Com isso, há chuvas intensas em algumas áreas", completa.
Ao mesmo tempo em que há mais chuvas fortes, também acontecem secas mais intensas, como neste momento no Rio Grande do Sul.
Por isso, ele avalia que é impossível ser preciso em termos de volume de precipitação.
Isso coloca ao sistema climático e meteorológico uma dificuldade de fazer previsão nessa região, principalmente para eventos extremos."
Humberto Barbosa, meteorologista
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