Carlos Madeiro

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Reportagem

Gestos mortais? Homicídios ligados a símbolos de facções preocupam na Bahia

Gestos que parecem simples, feitos com as mãos para sair em fotografias, se tornaram um fator de risco e podem estar ligados a mortes de pessoas na Bahia. Nos últimos meses, assassinatos estão sendo atribuídos a facções, que teriam "punido" pessoas por fazerem símbolos de rivais, seja por provocação ou mesmo por engano.

O tema ganhou força nas ruas e até no debate político esta semana, virando munição para rivais do governo do estado liderado pelo PT há 17 anos.

O último caso ocorreu na segunda-feira (6), quando Marcos Vinícius Alves Gonçalves, 20, foi morto a tiros em Feira de Santana (115 km de Salvador) logo após a publicação de uma foto nas redes sociais. Ele não possuía antecedentes criminais e seu gesto foi associado a uma facção que atua na cidade.

Segundo nota da Polícia Civil, dois homens se aproximaram, olharam o aparelho celular de Marcos e em seguida efetuaram os tiros. Duas pessoas já foram presas.

A morte foi a oitava morte suspeita por esse tipo de retaliação em um período de um ano, segundo dados do jornal Correio da Bahia, que vem contabilizando casos.

Procurada, a Polícia Civil afirmou não ter dados específicos sobre esse tipo de ação e não indicou fontes oficiais para comentar sobre o risco de gestos.

Em outubro do ano passado, duas mortes também teriam ocorrido por conta do mesmo problema: de Gustavo Natividade, 15, e Daniel Natividade dos Santos, 21, que eram percussionistas do bloco afro Malê Debalê. Eles foram mortos a tiros em Camaçari depois de uma foto fazendo gestos similares ao de uma facção.

Em outubro de 2024, o UOL revelou que grupos de turistas têm sido alertados por guias que realizam passeios por Salvador para evitarem tirar e postar fotos com sinais e gestos.

Cantora derruba vídeo

No fim de semana, a cantora baiana Duquesa excluiu de suas redes o videoclipe da música Fuso, onde ela fazia um gesto que poderia ser associado à facção. Ela postou um comunicado em suas redes sociais anunciando a medida.

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Segundo o delegado Roberto Júnior, diretor regional de Sudoeste/Sul da Polícia Civil da Bahia, as facções CV (Comando Vermelho) e PCC (Primeiro Comando da Capital) usam gestos para simbolizar seus apelidos, que podem ser confundidos.

"O CV é a 'tudo 2' e utiliza o número dois para se identificar; já o PCC é a 'tudo 3' e utiliza o número três. Eventualmente algum desavisado ou então faccionado de outra facção faz esse gesto, e ele é visto como uma afronta. Às vezes a pessoa acaba pagando com a própria vida. Basicamente é isso, uma banalidade", diz.

Além desses gestos das maiores, há outras facções locais que também usam símbolos, que podem ser confundidos. É o caso da BDM (Bonde do Maluco), que estaria por trás de pelo menos duas dessas oito mortes.

Escala política

Na última segunda-feira, o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto (União Brasil) gravou um vídeo e publicou em suas redes sociais afirmando que "muitos turistas que estão chegando hoje na Bahia estão sendo orientados a ter cuidado com que gestos eles fazem em praça pública." "É algo absolutamente inaceitável."

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No dia seguinte à fala de ACM Neto, o governador Jerônimo Rodrigues (PT) foi questionado sobre a existência da recomendação e negou veementemente.

Temos que ver em que medida essa programação, essa divulgação, não fortalece essas corporações criminosas. Então, nós não daremos visibilidade em qualquer tipo de oportunidade para que eles possam fazer marketing em cima da ação, da intervenção policial. O que nós damos é reforço da polícia, câmaras para agora, nesse momento, prendê-los de forma rigorosa e entregar à Justiça.
Jerônimo Rodrigues

O secretário de Segurança Pública, o delegado federal Marcelo Werner, também tentou minimizar o problema ao dizer que "não faço apologia de facção."

Não falo nome de liderança, não falo nome de facção e nem faço qualquer tipo de apologia ou comentário em relação a gesto de simbologia de facção. O que a gente faz e vai continuar fazendo é um trabalho articulado entre as forças de segurança, estaduais e federais, um trabalho de enfrentamento como tem sido realizado.
Marcelo Werner

Segundo ele, o que importa é que os dados de 2024 apontam para "aumento de armas e drogas apreendidas, de efetivo policial, de pessoas presas e de operações de inteligência."

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"Há uma expectativa de mais de 9 milhões de turistas [este ano] que chegam, nacionais e internacionais, e a gente tem garantido a segurança", afirma.

Em 2024, segundo dados da pasta, houve uma redução de 8,7% no número de homicídios —a terceira queda por anos consecutivos. No ano passado, foram 4.440 mortes violentas.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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