Estado vai processar responsáveis por refazer muro ilegal em praia em PE
O Governo de Pernambuco declarou que vai processar os responsáveis envolvidos na reconstrução do muro de mais de 500 metros erguido na praia do Pontal de Maracaípe, no município de Ipojuca, no litoral sul de Pernambuco. Na terça-feira (14), parte da estrutura foi removida pelo governo estadual, com o apoio de agentes da Polícia Militar. No mesmo dia, o deputado federal bolsonarista Coronel Meira (PL) foi até o local e anunciou em seu perfil nas redes sociais que o muro havia sido reconstruído.
Ao lado do dono do terreno, o empresário João Vita Fragoso de Medeiros, Meira classificou a derrubada da estrutura como "ilegal" e criticou a Secretaria de Meio Ambiente do Estado.
A CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente) reafirmou a legalidade da retirada do muro. Em nota, a agência explicou que a derrubada da estrutura foi realizada com base no regular exercício do poder de polícia, considerando a revogação, pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, da liminar que impedia a atuação administrativa da CPRH.
Segundo a agência, a decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco que determina a retirada do muro permanece em vigor. "A manutenção dos efeitos dessa decisão foi reconhecida pela Justiça Federal", disse o órgão.
"Diante da resistência indevida ao cumprimento da ordem administrativa e judicial que embasa a retirada do muro, a CPRH, por intermédio da Procuradoria Geral do Estado, adotará as medidas necessárias à responsabilização dos envolvidos, à salvaguarda do meio ambiente e ao livre acesso da população à praia", ainda segundo comunicado enviado pela CPRH ao UOL.
Segundo Ana Paula Rocha, barraqueira que atua na praia, a reclamação contra o muro é grande na comunidade. "Essa luta da gente não é só por causa da gente, mas também pela preservação da área, que ele não está fazendo".
"É uma área que está totalmente sufocada, fechada. O muro prejudica toda a comunidade, o turista que não tem por onde passar com aqueles coqueiros na maré cheia. A gente está ali, trabalhando, e precisa da área livre", diz.
Entenda o impasse
O advogado João Victor Venâncio, da Associação Fórum Suape - Espaço Socioambiental, explica que a decisão que está válida para o estado é da 1ª Câmara de Direito Público do TJPE (Tribunal de Justiça de Pernambuco), de 23 de outubro, que determinou que o dono da área deve demolir o muro, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.
No processo em segundo grau, o estado de Pernambuco conseguiu reverter a decisão liminar na ação do proprietário que impedia a derrubada do muro. "Foi então que o dono da área pediu a intimação da União, para que se manifestasse se tinha interesse nesse processo", conta.
"A União respondeu que sim, que tinha interesse. Então o processo foi deslocado para a Justiça Federal. Mas para todos os efeitos, a decisão judicial que determina Fragoso a tirar o muro continua vigente", completa o advogado.
O advogado explica ainda que o interesse da União se deve ao fato de ser uma área de sua posse. "Essa é uma área que também já tinha tido relatórios de fiscalização da SPU [Secretaria de Patrimônio da União], atestando crime fundiário sendo praticado; e do Ibama, que atesta crime ambiental", relata.
Sobre a decisão judicial que Fragoso cita como justificativa para reerguer o muro, o advogado diz que ela se refere a outra ação, impetrada do MPF (Ministério Público Federal), que também pede a derrubada do muro.
"Essa liminar, sim, foi rejeitada. Só que o estado não faz parte dessa ação, e não precisa de autorização judicial para tirar o muro porque ele tem poder de polícia. Não existe hoje qualquer decisão que impeça o governo de Pernambuco de retirar o muro", sinaliza.
Muro foi reconstruído com apoio de dono do terreno
Vídeos obtidos pela reportagem mostram um grupo de pessoas, com a ajuda de um trator, recolocando os coqueiros. Em entrevista ao UOL, Fragoso explicou que recebeu ajuda dos próprios barraqueiros que trabalham no Pontal de Maracaípe.
O muro, que tem 576 metros de extensão, é feito com troncos de coqueiro firmados no chão com sacos de ráfia com areia. A construção foi autorizada pela própria CPRH, em 2022, mas ele teria sido erguida fora dos parâmetros e por isso foi derrubada. A liberação previa metade do comprimento: apenas 250 metros.
O que alega o proprietário
O dono do terreno afirma que a barreira de contenção foi feita para proteger uma área de preservação ambiental da erosão. Fragoso também detalhou que o caso está sendo analisado na Justiça Federal e que não há nenhuma decisão determinando a derrubada do muro.
"A barreira de contenção tem que ficar até a realização de uma perícia determinada pela Justiça Federal para saber se o muro invade a praia, se é prejudicial ou se protege o meio ambiente, como eu venho falando. A CPRH veio ontem, com ajuda da Polícia Militar, sem mandado, sem ordem judicial e sem oficial de justiça, e derrubou 70 metros desse muro, eu tentei argumentar, mas eles passaram o trator. Das 20h às 3h da madrugada, nós reconstruímos com a ajuda dos barraqueiros que trabalham no Pontal", afirma Fragoso.
Fragoso disse ainda que vai "cobrar na Justiça as consequências para os responsáveis desses atos". "O TRF-5, por unanimidade, sabe que tem uma perícia para ser feita aqui no Pontal para ver se essa barreira de contenção tem ou não de ser realizada. Eu só posso acreditar que a CPRH está com medo do resultado dessa perícia".
O deputado Meira declarou que o muro "está absolutamente dentro de todos os critérios legais" e afirmou que o caso está no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que determinou perícia no local para confirmar a necessidade da proteção.
A reportagem procurou o TRF-5 para esclarecer detalhes do processo. Em nota, o órgão confirmou que, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público Federal que determinou a remoção do muro.
O Tribunal entendeu que o deferimento do pedido do MPF esbarra na imprecisão acerca de questões cruciais, notadamente quando diz que "foi extrapolada a área particular e alcançada área da União". Para a Turma, é fundamental saber: Há dano ambiental? Qual a extensão do dano? O muro de contenção marítima foi construído em desacordo com as autorizações emitidas pela Agência Estadual do Meio Ambiente.
Tribunal Regional Federal da 5ª Região
Governo de Pernambuco diz que muro é ilegal; Ibama aponta prejuízo ao ecossistema
O muro restringia acesso de barraqueiros, turistas e moradores locais à faixa de areia e ao manguezal, segundo a CPRH. De acordo com a agência, a estrutura foi erguida em área de preservação ambiental e invadiu a faixa de praia, prejudicando a fauna e a flora locais.
Ainda segundo a CPRH, o muro de contenção provocou danos à vegetação de restinga, está impedindo a desova de tartarugas, restringindo o acesso da população à praia, causando desequilíbrio na disposição de sedimentos na área e agravando o risco de erosão costeira no seu entorno.
Em dezembro de 2023, o Ibama visitou o local após denúncia da Associação dos Moradores e Pescadores das Áreas de Mangue de Ipojuca. O relatório da visita foi publicado em 4 de março de 2024 e apontou que o muro foi feito com 576 metros de extensão "em área de praia, cercando todo o Pontal de Maracaípe". A obra tem formato de "U" e dificulta o acesso ao local, segundo o instituto.
Esta grande obra, que viola em mais de duas vezes a autorização ambiental, gera um impacto sem precedentes naquele pontal. Como agravante, este muro está instalado na foz do rio Maracaípe, um local ecologicamente sensível e um dos principais ecossistemas que depositam sedimentos na praia.
Relatório do Ibama
O instituto ambiental destacou que o muro "acentua a erosão costeira" e prejudica o ecossistema.
Por fim, o Ibama afirma que a obra fere o direito de acesso às praias. O órgão diz ainda que são "bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado o livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido".
Verifica-se basicamente que há mudanças sazonais na dinâmica de sedimentos costeiros decorrente do fluxo e refluxo da maré. Não foi identificado evento extremo com impacto adverso no transporte de sedimentos que justificasse a construção do muro objeto de ação fiscalizatória.
Relatório do Ibama
Diante das irregularidades, a CPRH notificou o proprietário da área em junho de 2024. A agência o informou sobre o cancelamento da autorização e deu cinco dias úteis para retirada do muro. O órgão também pediu investigação para apurar os supostos excessos cometidos com o muro.
Às vésperas do prazo se encerrar, a juíza Nahiane Ramalho de Mattos, da Vara da Fazenda Pública de Ipojuca, acolheu pedido do proprietário da área e proibiu a CPRH de fazer a retirada do muro. A agência recorreu ao TJPE, que manteve a liminar até o julgamento do caso, que ocorreu em outubro e lhe deu ganho de causa.
Em outubro, o Tribunal de Justiça de Pernambuco autorizou a demolição do muro. Mas, segundo o TJPE, a decisão não tem mais validade já que o caso agora está em tramitação na Justiça Federal de Pernambuco.
Em nota, o TJPE esclareceu que a União manifestou interesse no processo, alegando que a questão tinha conexão com uma ação civil pública em tramitação perante a 35ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco. "A manifestação de interesse da União implica automaticamente o deslocamento da competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal, abrangendo inclusive os recursos interpostos no segundo grau".
Dono do terreno diz que muro preserva o manguezal
João Vita Fragoso de Medeiros alegou que tinhas as autorizações necessárias para a permanência do muro. Ele afirmou ainda que a CPRH estaria agindo de forma abusiva. Segundo ele, o muro "preserva o Pontal de Maracaípe. "O mar começou a avançar em direção ao Pontal. Está chegando em uma fase que se ele romper vai avançar sobre o mangue e isso vai ser prejudicial, pode mudar a salinidade da água, a reprodução dos animais. Estou lutando para preservar o meio ambiente em uma propriedade que é minha há 51 anos. Eu não tenho interesse de construir nada aqui, mas tenho a obrigação de preservar", disse.
O muro foi construído em julho 2022. Na ocasião, a CPRH concedeu uma autorização de construção para o empresário João Vita Fragoso, dono de quatro terrenos em Maracaípe, segundo registros do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Conforme o órgão estadual, a autorização dava direito ao dono da área a fazer a obra com 250 metros de extensão usando troncos de coqueiros e sacos de fibra têxtil de palmeiras.
À época, ele alegou que o muro era necessário porque estaria havendo erosão costeira no local. A autorização era válida por um ano. Já em setembro de 2023, a CPRH emitiu uma nova autorização — que também seria válida por 12 meses — para que fosse feita uma manutenção do muro.
No ano passado, fizeram uma vistoria e disseram que estava tudo certo. Depois, a CPRH mudou a versão e afirmou que o muro não poderia ficar. O caso saiu da Justiça Estadual e foi para a Federal. O Ministério Público Federal entrou com uma ação para derrubar o muro, mas o juiz negou. No TRF-5 foi julgado esse agravo e a decisão é de que não pode mexer na barreira de contenção porque precisa ser feita uma perícia no local.
João Vita Fragoso de Medeiros
31 comentários
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.
Fernando Penna de Freitas Guimarães
Que falta faz uma justiça rápida neste país. Caça o mandato do deputado, prende o proprietário do terreno. Problema resolvido.
Pedro Pereira Filho
Sempre tem bolsonarista em meio a crimes ambientais e defendendo posseiros.
Jose Vitorino Junior
Tantas coisas importantes pra esse deputado fazer,brasil ladeira abaixo