Rodrigo Ratier

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Opinião

Redes sociais escolheram despertar o pior de nós

É raro, mas acontece muito. Um texto viraliza —geralmente quando provoca reações figadais em certo tipo de leitor— e meu perfil no Instagram, que é público, passa a receber uma variada gama de impropérios direcionados a mim. Foi o que ocorreu na semana passada, por conta de um artigo opinativo sobre a desinformação propagada pelo deputado Nicolas Ferreira (PL-SP).

Alguns exemplos: "quanta bobagem", "estamos mesmo perdidos", "calado é um poeta", "quanta besteira sem noção", "professor alienado", "vermelhinho", "esquerdinha declarado", "vocês não cansam de falar asneiras", "se for chorar, manda áudio".

Já estou familiarizado com essa onda, descrita pelo filósofo Byung Chul-Han no livro No Enxame - Perspectivas do Digital. À moda das abelhas, um grupo, geralmente atendendo a uma voz de comando, se reúne para atacar. É o que Chul-Han chama de shitstorms, "tempestades de merda" que, como os enxames, são agressivos, mas duram pouco.

Ironia ou não, uma facção do enxame parece ter especial apreço por dejetos sólidos: "Você comeu merda no seu café da manhã?", "hoje a coisa mais fácil que existe é ser 'jornalista', é só falar e escrever um monte de merda", "conseguiu escrever uma quantidade absurda de merda", "que boxxxxta".

Aos amigos que escrevem preocupados, digo que é triste, mas em 24 ou 48 horas passa. Uma desconexão temporária das redes evita maiores dissabores. Em seguida, a turba, imbuída de um sentimento de superioridade moral e sede de justiçamento, vai mirar outro infeliz. "Estamos atentos e 'gente' como você será sempre questionada, implacavelmente", conforme outro comentário recebido nesta semana.

Por não ser uma figura pública, tenho a sorte de ser um alvo ocasional. Outras personalidades de maior relevância estão sujeitas a um sofrimento constante, inclusive violência física. Faz parte, resignamo-nos a dizer, e essa naturalização também é um ingrediente do problema. Quando foi que se tornou normal, até mesmo esperado, que pessoas desconhecidas entrem em contato com o único propósito de vomitar seu ódio diretamente ao emissor de uma ideia que as desagrada?

Sem incorrer no risco do determinismo, dá para dizer que há uma influência grande do ambiente. Há paralelos possíveis, por exemplo, com um estádio de futebol. Seria possível torcer de maneira diversa —digamos, batendo palmas para um belo gol do adversário ou elogiando decisões acertadas do árbitro.

É claro que ninguém espera isso. As arenas são palco de um comportamento agressivo que não se tolera em outro lugar. Daí que pessoas dignas e decentes sejam vistas aos berros apupando o juiz, ofendendo todo o elenco adversário ou, no caso de corneteiros como eu, sugerindo chulamente que o próprio time retorne ao seio da progenitora, no caso uma trabalhadora do sexo. Peço ao leitor um desconto, pois sou santista.

Não me passa pela cabeça sugerir que os mal-educados dos campos de futebol, em que eventualmente me incluo, sejam pessoas más. Ao contrário: talvez a válvula de escape proporcionada pela tolerância à violência simbólica nos estádios evite a agressividade em outros campos da vida. Da mesma maneira, tenho convicção de que os mesmos indivíduos que me mandam à merda sem nunca sequer terem me visto —e muito provavelmente sem ter lido meu texto— sejam capazes de gestos solidários, altruístas, amorosos. Que exerçam, enfim, uma influência positiva no seu entorno.

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O ponto é o seguinte: somos seres múltiplos, não raro contraditórios, a um só tempo gentis e agressivos. O tipo de impacto que vamos deixar nos espaços que circulamos depende, ao menos em parte, das regras que esses espaços nos oferecem. Daí a conclusão que deve haver alguma coisa de muito errada nas redes sociais para que o padrão seja composto de relações baseadas na incivilidade.

Isso estar longe de ser natural. É uma escolha deliberada de cada uma das plataformas, realizada a partir de critérios opacos que governam o que será visibilizado e o que deve ser escondido. É o tal algoritmo, programado por seres humanos de carne e osso, que elege a treta, a violência e a falta de educação como norma.

Já foi diferente. Quem viveu a infância das redes sociais com o finado Orkut deve se lembrar que a tônica eram os testemunhos do tipo "te considero pra caramba", elogios rasgados que precisavam ser aprovados por quem os recebeu. Era falso, mas muito menos tóxico.

Se antes o Vale do Silício procurava ocultar a opção pela violência com o discurso da inovação e da liberdade de expressão, os últimos acontecimentos trataram de jogar por terra todas as máscaras. Ver os líderes das principais big techs aplaudindo e financiando bovinamente a posse de Donald Trump confirma o casamento com o autoritarismo, antes vislumbrado em namoros como a aliança do Google com deputados bolsonaristas para torpedear o PL das fake news no Brasil. A saudação nazista de Elon Musk, repetida duas vezes, é o emblema dessa aliança duradoura.

Mesmo a desgraça tem seu lado bom. Tenho uma filha de 10 anos que, como 11 entre 10 crianças, quer ter celular com rede social. Vai demorar muito, costumo dizer. Vendo a fileira de xingamentos da semana passada, ela entendeu um pouco melhor o porquê.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

123 comentários

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Luiz Antonio dos Santos

Para esquerda o certo é  a GLOBOLIXO manipular a população a votar na esquerda.

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Fabio Saab

Muito bom seu texto. É uma das explicações que todos tentamos desesperadamente entender desde a campanha de 2018. Difícil.

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Rodolfo Silva Fonseca

Nikolas não provocou nenhuma desinformação. Quem provoca desinformação é quem quer regular as redes sociais para ter o monopólio da informação. Assim, pode propagar as mentiras livremente, sem ter que se preocupar em ser desmentido a todo instante. Governo corrupto, mentiroso e que não entrega o que promete, por isso quer censura nas redes sociais, alardeando que quem mostra a verdade é mentiroso. Ou seja, mede os outros pela sua própria régua! Hoje no Brasil não temos uma imprensa livre, mas cúmplices.

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