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Carolina Brígido

REPORTAGEM

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Ministros do STF sofrem assédio por processo tributário de R$ 260 bilhões

Ministro Luiz Fux preside sessão do STF por videoconferência - Nelson Jr./SCO/STF
Ministro Luiz Fux preside sessão do STF por videoconferência Imagem: Nelson Jr./SCO/STF

Colunista do UOL

28/04/2021 11h44

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O assédio tem sido intenso nos gabinetes do STF (Supremo Tribunal Federal) nos últimos dois meses. Seja pessoalmente, seja por videoconferência, ou mesmo no envio de documentos, advogados de empresas e do governo têm procurado os ministros com argumentos fervorosos em torno de uma briga que dura ao menos 15 anos e que se tornou o principal processo tributário do país. Na contabilidade da AGU (Advocacia-Geral da União), a disputa pode custar R$ 258,3 bilhões aos cofres públicos.

Está em jogo se a União terá que devolver os valores cobrados indevidamente das empresas por causa da incidência do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na base de cálculo do PIS e da Cofins.

Embora não levante polêmicas nas redes sociais, o assunto é o grande entrave fiscal do governo Bolsonaro no STF. "É uma ação de grande impacto fiscal, uma prioridade para o governo", contou à coluna o advogado-geral da União, André Mendonça.

A AGU e a Fazenda Nacional têm usado a cifra bilionária para tentar sensibilizar os ministros em audiências. Por outro lado, representantes das indústrias dizem que não é bem assim e contestam a perda calculada pelo governo. Argumentam que, se tiverem que desembolsar dinheiro do imposto retroativo, o setor produtivo entrará em colapso.

Contestação da indústria

"A Fazenda Nacional não apresenta o critério de calculo, só apresenta um valor aleatório. Como a Fazenda chegou a esse valor? Ninguém sabe. Não há transparência. O setor empresarial não toma esse valor como real, diante de uma ausência de comprovação dos seus cálculos e da sua definição", contesta o superintende jurídico da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Cassio Borges.

No início da semana, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) enviou ofício ao presidente do STF, Luiz Fux, com esclarecimentos sobre o processo. Antes disso, mais de 60 entidades ligadas à indústria, ao comércio e à advocacia fizeram o mesmo, com argumentos contrários.

A PGFN alega que o Judiciário não pode tomar decisão com efeitos retroativos, porque isso impactaria "gravemente o Estado brasileiro". Já a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) argumenta que o entendimento do STF não é surpresa nenhuma para o governo, porque o primeiro julgamento sobre o tema foi concluído em 2014. E já havia maioria formada no mesmo sentido desde 2006.

Ministros incomodados

Em caráter reservado, um ministro do STF afirmou que os integrantes da Corte não aguentam mais o assédio em torno da disputa.

O julgamento está agendado para quinta-feira (29), mas corre o risco de não ser concluído. Isso porque nesta quarta-feira (28) o plenário começa a analisar um processo igualmente espinhoso, sobre a Lei de Patentes — o mais provável é que esse julgamento se estenda até amanhã. Mas se algum ministro pedir vista a respeito da questão da patentes, a celeuma do ICMS pode começar a ser analisada ainda hoje.

Para dar um basta à briga, ministros do STF acertaram nos bastidores um meio termo como solução. A tendência é que haja modulação da decisão. Em linguagem jurídica, significa cravar um marco temporal para o entendimento começar a vigorar. Seria uma forma de nem a União, nem as empresas saírem perdendo muito.

Em 2017, o plenário do STF decidiu a favor das empresas, no sentido de que o ICMS não se caracteriza como receita ou faturamento e, por isso, não pode integrar a base de cálculo das contribuições sociais. Na época, o tribunal não definiu se a decisão teria validade retroativa, ou a partir daquele momento. Ou, ainda, se o entendimento passaria a valer a partir da definição do marco temporal - ou seja, a partir de agora.

A tendência é o STF optar pela metade do caminho, fazendo com que a decisão tenha efeitos a partir de 2017. Dessa forma, a União não teria que devolver às empresas os valores cobrados antes disso, o que diminuiria o rombo nos cofres públicos alegado pelo governo federal. Por outro lado, as empresas se livrariam do pagamento da diferença do imposto de 2017 para cá.

"A Fazenda Nacional busca conferir uma falsa impressão de dificuldade, ou de algo que ainda pende de apreciação. Esse assunto está pacificado no Supremo. O ICMS pode ser considerado parcela do faturamento? A maioria disse que não. A prudência já determinaria que a União contabilizasse como perda provável, não possível", pondera Cassio Borges.

Seja qual for o cálculo de ganhos e perdas, o governo federal está alarmado com a batalha.