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Carolina Brígido

REPORTAGEM

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PT tenta convencer Lula a escolher aliado para PGR se vencer eleição

Colunista do UOL

24/01/2022 04h00

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Da lista de diferenças que separam Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro na condução da máquina pública, um dos tópicos é a forma de escolher o procurador-geral da República. Lula sempre optou pelo mais votado na lista tríplice da categoria, muito embora não exista essa obrigatoriedade na Constituição Federal. Bolsonaro prefere tratar a chefia da PGR (Procuradoria-Geral da República) como cargo de confiança - o que, diga-se, também não está previsto em lei nenhuma.

Diante da liderança do petista nas pesquisas de intenção de voto, a cúpula do partido tenta convencer Lula a mudar de estratégia na escolha do sucessor de Augusto Aras no comando da PGR, caso seja eleito para o Palácio do Planalto em outubro. O entorno de Lula percebeu o óbvio: a vida do presidente de República é muito mais tranquila quando o chefe do Ministério Público é amigável.

Foi assim com Fernando Henrique Cardoso, que deixou Geraldo Brindeiro a cargo da PGR de 1995 a 2003. FHC não teve dor de cabeça: no período, nenhum político foi denunciado ao STF. Brindeiro poupou não apenas os aliados de Fernando Henrique, mas também os opositores. A PGR era uma espécie de braço do governo - e buraco negro das investigações.

Passada a era Brindeiro, Lula chegou ao poder com a promessa de fortalecer o Ministério Público Federal. Não poderia concretizar o plano sem dar à categoria o poder de escolher seu próprio líder. E assim foi feito. Claudio Fonteles foi o primeiro procurador-geral do governo de Lula e começou a dar trabalho à classe política. Finalizou seu primeiro ano de mandato com 13 denúncias apresentadas ao STF.

A tarefa do procurador-geral não é apenas a de denunciar autoridades perante o STF. Ele também pode formular ações questionado a constitucionalidade de leis e normas e pedir abertura de inquéritos. Mas as denúncias são um termômetro objetivo da disposição do Ministério Público para incomodar poderosos.

Fonteles apenas iniciou a nova fase da PGR. Seu sucessor, Antonio Fernando de Souza, atingiu o auge ao denunciar 40 pessoas ao STF no mensalão, o esquema de distribuição de propina do governo Lula para arrebanhar apoio no Congresso Nacional. O então presidente da República foi poupado da investigação. Mas um dos alvos era José Dirceu, o ex-ministro-chefe da Casa Civil que acabou condenado.

Além do mensalão, Antonio Fernando apresentou 41 outras as denúncias ao STF enquanto estava no cargo, entre junho de 2005 e fevereiro de 2009. Assessores de Lula chegaram a alertá-lo para o perigo de dar tanta independência ao Ministério Público. Não funcionou. Quando o mandato de Antonio Fernando chegou ao fim, Lula escolheu Roberto Gurgel para substitui-lo. Era do mesmo grupo de Antonio Fernando e, a exemplo dos dois antecessores, tinha sido o mais votado na lista tríplice.

Em 2013, Dilma Rousseff manteve a tradição do PT e nomeou Rodrigo Janot chefe da PGR. Também ele era fruto da lista tríplice. Deu trabalho tanto para o governo, quanto para a oposição, ao desovar dezenas de denúncias da Lava Jato no STF. Boa parte não deu em nada ao final das investigações, mas a hiperatividade de Janot causou rebuliço no mundo político.

Em 2017, Michel Temer chegou ao Planalto rompido com o PT —inclusive no estilo de escolha do procurador-geral. Ele inovou ao empossar a primeira mulher no cargo, Raquel Dodge. A simbologia progressista estancou na questão de gênero: o novo presidente ignorou, contudo, o primeiro colocado da lista tríplice e optou por uma aliada (Dodge ficou em 2º lugar), na esperança de não ter ainda mais problemas na Justiça. Temer já tinha sido alvo de duas denúncias de Janot, no caso JBS e no quadrilhão do MDB.

O plano de Temer funcionou parcialmente: acabou denunciado por Dodge no inquérito dos portos, mas isso aconteceu a poucos dias do fim do mandato. A procuradora já tinha apresentado denúncia ao STF contra dois ministros de Temer: Geddel Vieira Lima e Blairo Maggi.

Mas nada, nada se compara ao desempenho amigável de Augusto Aras com Bolsonaro. Em poucos mais de dois anos no posto, o procurador-geral conseguiu proteger o presidente de várias enrascadas jurídicas. Em dezembro, ele mesmo informou ao STF que instalou 25 investigações preliminares contra o presidente na PGR, sem passar pelo Judiciário. Até agora, não denunciou o mandatário perante a Corte. Para completar o clima amistoso, em dezembro pediu para o ministro Alexandre de Moraes anular o inquérito aberto contra Bolsonaro pela fala em que associava a vacinação contra a Covid-19 à contaminação pelo vírus da Aids.

Aras também derrubou o desempenho da PGR perante tribunais superiores, o que lhe rendeu a crítica contundente de seus pares. Nos dois primeiros anos, o procurador-geral havia apresentado 46 denúncias ao STF e ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) contra autoridades. Dodge formulou 64 denúncias durante seus dois anos à frente da PGR.

Se Bolsonaro for eleito em outubro, não há dúvida de que a PGR seguirá comandada por procuradores com o perfil de Aras por mais quatro anos. Se a vitória for de Lula, o cenário será outro. A cúpula do PT ainda não convenceu o presidenciável a abandonar as listas tríplices como regra para a escolha do procurador-geral. Uma rápida análise no desempenho dos últimos chefes do Ministério Público pode servir de argumento para fazer o petista mudar de ideia.