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Carolina Brígido

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que o TSE, que nunca condenou presidente, tende a punir Bolsonaro

Plenário do TSE -  Antonio Augusto/Secom/TSE
Plenário do TSE Imagem: Antonio Augusto/Secom/TSE

Colunista do UOL

06/04/2023 04h00

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Na história do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), nenhum presidente ou ex-presidente da República foi condenado à inelegibilidade. Oportunidades não faltaram. Recentemente, a chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer saiu ilesa, mesmo depois do impeachment, com Temer já instalado no Palácio do Planalto. A chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão também foi absolvida, em julgamentos realizados durante o mandato.

Agora, o TSE se prepara para julgar 16 ações contra Bolsonaro por supostos desvios praticados na campanha do ano passado. A tendência, segundo os próprios ministros do tribunal, é que o plenário condene o ex-presidente a oito anos de inelegibilidade, como prevê a legislação eleitoral. Se a previsão for confirmada, será a primeira vez que a Justiça Eleitoral condena alguém por atos praticados na presidência da República.

O que mudou para o TSE se inclinar à condenação de um ex-presidente? Na comparação com outros presidentes, a situação de Bolsonaro é mais grave, por alguns fatores.

O primeiro, e mais importante deles: durante a campanha, Bolsonaro conseguiu descumprir diversos artigos da legislação eleitoral. As acusações são as mais variadas. Atacou o sistema eleitoral para uma plateia de embaixadores, tentou usar a Polícia Rodoviária Federal para boicotar a votação, apareceu a tal minuta do golpe, foi editado um pacote de bondades no auge da campanha, foram promovidas motociatas.

"Foram inúmeros atos praticados em uma zona bem cinzenta de violação ao equilíbrio do pleito", resumiu, em tom reservado, um ex-ministro do TSE.

Outro ponto que deixa Bolsonaro mais vulnerável é a guerra que ele declarou contra o STF (Supremo Tribunal Federal), o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e outras instituições democráticas. O capitão xingou os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, além de pesar sobre ele a suspeita de ter incitado as invasões na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro.

O fato de Bolsonaro não ter sido reeleito - o único, aliás, de Fernando Henrique para cá - é outro fator que impulsiona a condenação.

O TSE tem como praxe tentar interferir o menos possível no resultado das eleições. Cassar o registro da candidatura de um presidente eleito pelo povo seria, na visão de alguns integrantes da Corte, uma forma de deslegitimar o poder das urnas. (Tradicionalmente, a corte tem uma visão menos protetora em relação a mandatos de prefeitos, mas isso é outra história.)

No caso de Bolsonaro, punir um ex-presidente teria menos peso do que condenar alguém que exerce o mandato. Ainda mais, no caso dele, um ex-presidente que não teve voto suficiente para se manter no poder - ou seja, com a popularidade em declínio.

Em tese, mesmo raciocínio poderia ter sido aplicado a Dilma Rousseff. Ela não estava mais no poder e, politicamente, estava enfraquecida. A diferença é que, quando o TSE julgou o processo contra a chapa Dilma-Temer, em 2017, a ex-presidente já tinha sofrido impeachment e tinha sido poupada pelo Congresso Nacional da pena de inelegibilidade.

O TSE preferiu não se desgastar e, de certa forma, manteve a decisão tomada pelos parlamentares, sem acrescentar ou diminuir a punição imposta a Dilma. De qualquer modo, o placar foi na trave: Dilma e Temer se safaram por quatro votos a três.

No ano seguinte, o plenário do TSE negou o pedido de candidatura a Lula. O episódio, no entanto, não configura punição. O tribunal apenas analisou a situação de Lula no momento do registro da candidatura. Como ele tinha sido condenado judicialmente antes, não poderia se candidatar, conforme apregoa a Lei da ficha Limpa.

Em 1990, foi editada a Lei Complementar 64, conhecida como Lei de Inelegibilidade, que prevê a AIJE (Ação de Investigação Judicial Eleitoral). A ação pode ser ajuizada por partidos políticos, coligações, federações partidárias, candidatas e candidatos e pelo Ministério Público Eleitoral ainda no período de campanha, até a data da diplomação dos vencedores.

A AIJE busca apurar e impedir a prática de atos que possam afetar a igualdade de disputa entre candidaturas em uma eleição, como nos casos de abusos de poder econômico e político ou de autoridade e uso indevido dos meios de comunicação social. Se for condenado, o político pode perder o mandato e ser declarado inelegível por oito anos.

Desde 1990, boa parte dos presidentes responderam a AIJEs. A maioria delas é arquivada ainda na fase de produção de provas e não chega a ser julgada em plenário. As punições que o TSE costuma imprimir a candidatos à presidência da República são multas por propaganda eleitoral indevida e outros problemas menores de campanha.

Outro fator pode ter desencadeado a mudança de comportamento no TSE em relação a Bolsonaro. Ao contrário das outras cortes superiores, a eleitoral é formada por ministros com mandato de, no máximo, quatro anos. Os mandatos dos ministros se intercalam.

Ou seja, a composição está sempre em mudança. Logo, a jurisprudência é mais volátil. Portanto, o entendimento aplicado para absolver um político pode não ser reciclado em um julgamento semelhante ocorrido anos mais tarde.

Bolsonaro teve azar. A formação atual do TSE é majoritariamente contrária ao que apregoa o ex-presidente. Diante dos reincidentes ataques ao Judiciário e ao sistema democrático, boa parte dos ministros considera importante o posicionamento firme da corte para coibir esse tipo de comportamento.

O último Datafolha apontou que 51% dos entrevistados querem que o ex-presidente seja condenado pelo TSE. Em contrapartida, 45% acreditam na inocência dele e defendem a absolvição. Outros 4% não souberam responder. Bolsonaro deve ter ficado feliz com o resultado da pesquisa. Mesmo sem ter apoio da maioria dos entrevistados, o índice de apoio é alto.

Muito embora as decisões judiciais não sejam imunes à opinião pública - ao contrário, como se observa no comportamento recente das cortes de Brasília - ministros do TSE dizem, em caráter reservado, que, no caso de Bolsonaro a regra não se aplica. Para integrantes do tribunal, os apoiadores do ex-presidente não têm o poder de virar votos no tribunal agora, pelo conjunto de fatores que pesa contra ele.

Em 2012, quando o STF julgava o processo do mensalão, o ministro Ricardo Lewandowski foi pego ao telefone dizendo a um assessor que o tribunal estava julgando "com a faca no pescoço". A ação penal mirava um núcleo petista caro a Lula e, mesmo que o comando do governo já tivesse sido trocado, o caso respingava na gestão Dilma. A situação agora é diferente no TSE. Com Bolsonaro fora do Planalto, e tendo sido substituído por seu principal adversário político, a pressão sobre os ministros do tribunal é menor.

Existe em Brasília a tese de que, uma vez condenado, Bolsonaro pode ser alçado à condição de mártir. Ele poderia, portanto, voltar à arena política ainda com mais força - a exemplo de Lula, que passou 580 dias e, em seguida, foi eleito presidente da República.

Em comum, os dois têm o fato de serem líderes populares. Lula tinha na bagagem dois mandatos de presidente da República. Bolsonaro ficou só um período no cargo. Em 2026, ao que tudo indica, poderá ser impedido de disputar as eleições. Em 2030, será preciso observar se os apoiadores de hoje do ex-presidente ainda se lembrarão dos motivos pelos quais votaram nele.