Freixo, criticado por votar Pacote Anticrime: "Desarmamos uma bomba penal"
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Na noite de quarta-feira, o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) saiu satisfeito do plenário da Câmara após a votação do chamado Pacote Anticrime, elaborado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. Depois de meses de negociações, conseguiu junto com outros parlamentares de esquerda tirar do projeto itens de grande repercussão, como excludente de ilicitude, o plea bargain e prisão em segunda instância. Freixo gravou até um vídeo em que classificava como importante vitória as modificações feitas no pacote, que acabou aprovado com o seu voto.
Hoje, porém, o nome de Freixo chegou aos trend topics do Twitter, mas não para ser elogiado. Muitos internautas de esquerda foram à rede social para criticar o deputado por ter votado a favor pacote. O fato de o deputado ter ajudado a derrubar pontos que o governo considerava importantes não o imunizou de críticas.
Nessa entrevista à coluna, Marcelo Freixo fala sobre a controvérsia:
UOL - Como viu essa onda de críticas no Twitter por ter votado no Pacote Anticrime, mesmo depois de ter conseguido modificações importantes no projeto?
Marcelo Freixo - Acho que é necessário muito esclarecimento, porque a dinâmica do Congresso não é uma coisa fácil de entender para quem não está aqui no dia a dia. Existe necessidade de qualificar a informação. O pacote do Moro chegou na Casa no início do ano, é um projeto absolutamente de Estado penal, muito ruim em termos de segurança pública. Nós conseguimos ganhar um ano sem votar esse pacote, porque se ele fosse votado quando chegou, pela força política do governo Bolsonaro e pela força política do próprio Moro, seria aprovado na íntegra. Então, ter aprovado esse pacote só no final do ano já foi resultado de um trabalho nosso. A gente ficou um ano cozinhando esse pacote dentro do Congresso Nacional.
Formamos um grupo de trabalho onde eram somente três de esquerda num grupo de trabalho de quinze. Mesmo assim, conseguimos algo raro hoje no Congresso que foi criar consenso para tirar do pacote do Moro coisas muito importantes, que eram a essência maior da proposta.
Sai então o ponto mais importante: o excludente de ilicitude. Se nós não tivéssemos feito esse trabalho no grupo, hoje nós teríamos aprovado no Brasil o excludente de ilicitude. Acho isso muito significativo, essa era principal bandeira do pacote. Tanto é que se você olhar as matérias de jornal sobre o pacote do Moro vai ver que as principais matérias eram sobre o excludente de ilicitude. Saiu por uma emenda minha.
Nós conseguimos tirar a videoconferência como regra, que era uma coisa muito forte dentro do Congresso. Um preso pode ter sido torturado e pela videoconferência não se pode detectar isso. Então não deixamos a videoconferência ser uma regra.
Conseguimos tirar a plea bargain (instrumento pelo qual o acusado pode confessar o crime em troca de não se submeter ao processo judicial), que iria triplicar a população carcerária imediatamente. Nós conseguimos evitar o fim da audiência de custódia, que poderia entrar no pacote. Também mantivemos a audiência de custódia no projeto. Conseguimos derrotar a segunda instância. Ou seja, construímos um consenso nesses pontos que não podem não ser considerados como vitórias.
Agora, o Pacote Anticrime não é um pacote nosso, nem um pacote que a gente concorde. Essa não é minha pauta, não é nossa pauta. mas é uma pauta de governo, de extrema direita. É bom lembrar que nosso governo é de extrema direita, é bom lembrar que nosso Congresso tem uma maioria muito conservadora. Então, estamos votando um projeto que não é nosso, a gente não está feliz votando esse projeto. O que a gente está fazendo é tentar ter vitórias em cima de uma tragédia muito profunda.
No Twitter, muitas pessoas argumentavam que os deputados de esquerda simplesmente deveriam ter votado contra o pacote.
Eu fiz parte do grupo de trabalho e para chegar a esses consensos... Você tinha uma bomba penal, que era o pacote do Moro. Nós conseguimos desarmar a bomba penal, tirar as coisas mais importantes, outras coisas ruins ficaram. E conseguimos incluir coisas boas, como o juiz de garantia e a regulamentação da delação premiada.
Isso significa que o projeto ficou bom? Não. Isso significa que eu apresentaria esse projeto? Não. Mas isso significa que votar esse projeto é a chance de derrotar o projeto do Moro. Um projeto seria aprovado, ou era esse ou era o do Moro. Só haveria outra possibilidade se nós tivéssemos a maioria do Congresso. Se tivéssemos a maioria do Congresso, viveríamos em outra sociedade. Nós não temos a maioria.
Um projeto ou outro seria aprovado. Fazer este projeto ser aprovado era muito importante para derrotar esses pontos que eu citei, principalmente o excludente de ilicitude, que elevaria ainda mais o genocídio da juventude negra. Então, o que está em jogo ali, mais que a minha imagem ao votar, era o que esse voto iria representar para as pessoas que mais precisam.
Para chegar a esse ponto de derrotar essas coisas, tivemos um ano de reuniões com os partidos de centro, com os partidos todos da Casa. Essa não é uma negociação fácil. Tirar o excludente de ilicitude, tirar os pontos principais do pacote do Moro era algo muito difícil pra gente. Não haveria possibilidade de qualquer membro do grupo, que fez todas essas negociações, votar contra o texto final. Porque era esse ou outro.
Então, como você constrói a maioria para derrotar esses pontos e você não vota? Isso faria correr o risco de voltar o projeto original. A bancada da bala é quase o dobro da bancada da esquerda reunida. Pra derrotá-la, tínhamos que votar em um projeto para o outro não ser votado.
Eu respeito quem votou contra, mas quero deixar claro: não votei porque concordava com esse projeto. Votei nesse projeto porque essa era a forma de derrotar o projeto do Moro e a bancada da bala. Se eu e outros membros do grupo votassem contra, pelas conversas no Parlamento, poderiam voltar atrás e votar o projeto original.
Vamos usar como exemplo a reforma da previdência, que eu votei contra. Naquele caso, não era um texto ou outro. Era completamente diferente. Ontem, no final da sessão eles tentaram votar o projeto original. Se não fosse as conversas que tivemos com os líderes partidários, isso teria acontecido.
Há dificuldade para levar à frente um debate sobre segurança pública na esquerda?
Esse debate não tem a ver com o que foi aprovado, que é uma lei ruim. Mas a esquerda precisa entender a importância de fazer o debate sobre segurança pública. Eu trabalho com esse tema há 30 anos, venho dos movimentos sociais, fiquei 30 anos trabalhando dentro do sistema carcerário. Pouca gente nos movimentos sociais tem mais tempo de militância dentro do cárcere do que eu. Trabalhei como educador popular, venho dos movimentos sociais é um debate doloroso pra mim. É preciso dizer que a esquerda precisa aprender a debater segurança pública, são poucas as pessoas da esquerda que debatem esse tema. É como se a gente não tivesse responsabilidade de propor.
Já tivemos um governo de esquerda. Mas qual é a nossa proposta de polícia? Qual é nossa proposta para o sistema penitenciário? Basta dizer que a gente não quer uma coisa ou outra? A gente já sabe o que a gente não quer, mas o que a gente quer? O que a gente faz? A gente tem que assumir um debate mais propositivo. Até porque a sociedade está pedindo, está cobrando. E boa parte da sociedade que está concordando com a política de segurança da direita. Existe um apelo popular do lado de lá. O que vamos propor para ganhar isso? Políticos importantes foram eleitos em cima dessa pauta, como o presidente, por exemplo. Um dos pontos fundamentais da esquerda no Uruguai foi a segurança pública.
Então, é preciso que a esquerda consiga fazer um debate mais profundo e propositivo sobre esse tema. Isso não tem a ver com a proposta que foi aprovada no grupo de trabalho, mas a gente tem que propor algo. Não basta dizer que todo debate de segurança pública é fascista. Tem muito fascismo, mas qual a polícia que a gente propõe? Tem gente interessante fazendo esse debate, mas ainda são poucos.
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