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Chico Alves

Glenn diz que resistência democrática brasileira é maior do que esperava

Glenn Greenwald - Reprodução
Glenn Greenwald Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

24/01/2020 04h00

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Apesar de surpreendido pela denúncia do Ministério Público Federal, em que é acusado de auxiliar, orientar e incentivar os hackers que vazaram diálogos entre integrantes da força-tarefa da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro, o jornalista Glenn Greenwald consegue se manter otimista. Para ele, mesmo com a percepção de que os valores democráticos estão sob ameaça no país, é possível dizer que as instituições brasileiras têm mostrado resistência.

A defesa de Glenn, que foi denunciado sem ser investigado ou indiciado, pediu que a Justiça rejeite a denúncia. "O que o Ministério Público e o governo Bolsonaro estão tentando fazer é criar um clima de medo, de intimidação", diz o jornalista. "Acho que essa reação defendendo a imprensa livre cria um espaço que deixa o Judiciário fazer seu trabalho sem ser intimidado pelo governo. Isso é muito importante".

Nessa entrevista à coluna, o editor do site The Intercept Brasil fala da repercussão internacional da acusação do MPF, comenta a entrevista do ministro Sergio Moro ao programa Roda Viva, em que a série Vaza Jato foi classificada como "bobageirada", e diz que o ritmo de publicação das matérias diminuiu porque agora o trabalho demanda maior investigação.

UOL - Acredita que a reação de autoridades e instituições à denúncia do Ministério Público contra você aumenta a chance de que a Justiça a rejeite?

Glenn Greenwald - Não acho que um juiz seja impulsionado pelo comentário público ou pressão política, mas, obviamente, a grande maioria da mídia brasileira, dos políticos manda um sinal forte de que a sociedade civil vai resistir a qualquer tentativa de ataque à imprensa livre.

Na realidade, o que o Ministério Público e o governo Bolsonaro estão tentando fazer é criar um clima de medo, de intimidação. Em vários países, as instituições não estão fortes o suficiente para resistir a essa tentativa de intimidação. Acho que essa reação defendendo a imprensa livre cria um espaço que deixa o Judiciário fazer seu trabalho sem ser intimidado pelo governo. Isso é muito importante.

A reação de autoridades e instituições mostra que a democracia brasileira vai amadurecendo?

Concordo plenamente com isso. Em 2018, reclamei quando jornalistas norte-americanos e europeus estavam chamando Bolsonaro de "Trump dos trópicos" porque, para mim, o presidente brasileiro é uma figura muito mais perigosa. Além disso, as instituições brasileiras que defendem a democracia são muito mais novas e por causa disso mais fracas do que as instituições democráticas nos Estados Unidos ou na Europa, o que deixa o Brasil mais vulnerável para uma ação autoritária.

Mas eu preciso falar que desde a vitória do Bolsonaro as instituições brasileiras estão reagindo de uma forma muito forte, com muita independência. O Judiciário, a mídia, o Congresso Nacional, o cidadão. Isso está me dando muito otimismo. Por um lado, tem uma ameaça para a democracia, mas, por outro lado, tem uma resistência mais forte do que eu estava esperando.

Desde 1989 (a primeira eleição direta), havia um consenso de que o Brasil deveria ser uma democracia e a campanha de Bolsonaro foi a primeira vez que dentro do mainstream teve pessoas falando contra isso. Gente que falava que a ditadura era uma forma de governo superior. Ninguém sabia como as instituições iriam reagir diante de uma ameaça assim e estamos vendo isso agora. Acho que a reação é muito boa, muito encorajadora.

A denúncia do MPF contra o sr. foi noticiada com destaque nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França como ataque à liberdade de imprensa. Nesse item, qual a imagem do Brasil no Exterior?

Obviamente, Bolsonaro não tinha internacionalmente uma imagem muito boa. Somente Israel, o governo Trump e poucos outros tinham opinião boa sobre Bolsonaro. O resto do mundo democrático estava olhando para ele como autoritário. Ou pior ainda. Agora, essas pessoas estão fortalecendo essa percepção. Na realidade, há quase unanimidade nos Estados Unidos, na Europa, no Reino Unido, na mídia e no mundo político me apoiando.

Mesmo pessoas de direita, que não têm nenhuma concordância comigo politicamente, estão denunciando veementemente o que o Ministério Público está fazendo e olhando para isso como um ataque muito grave à imprensa livre. Acho que isso é um pouco por causa da imagem ruim que Bolsonaro já tinha antes desse episódio, por conta da Amazônia, dos comentários que ele fez que nenhum presidente faria. Essa imagem ruim está alimentando reação muito forte contra o Ministério Público.

Acho que o Brasil não tem uma imagem ruim internacionalmente, mas o governo Bolsonaro, sim. Norte-americanos não querem que Trump defina o que é o país. Dizem: "Sim, nós temos Trump, mas ele não representa todo o país e nem nossos valores nacionais". Acho que pessoas podem diferenciar o governo e o presidente brasileiro por um lado e o país por outro. A imagem internacional, sem dúvida nenhuma, é que não só a imprensa livre, mas valores democráticos básicos estão sob ameaça, mas também tem muita resistência. Estou olhando para o jornalismo que estamos fazendo como parte da resistência.

O ministro Sergio Moro, no Roda Viva, classificou as reportagens da série Vaza Jato como "bobageirada". O que acha disso?

Naquela mesma entrevista no Roda Viva, o ministro disse que nunca se importou com as nossas reportagens, o que é totalmente falso. Durante junho, julho e agosto, ele tinha uma obsessão por essas matérias. Ele sabia que seu legado estava sendo arranhado por causa dessas revelações. Doze ou treze veículos da mídia, que ficaram durante cinco anos sempre apoiando grande maioria das coisas que Sergio Moro fez, também decidiram que essa série de reportagens é bem importante. Por causa disso, participaram na divulgação das reportagens.

Os jornalistas que tiveram acesso ao arquivo concluíram a mesma coisa, que as revelações são bem graves e importantes. Por isso, perdeu muitos aliados, inclusive o Estadão, que opinou que ele deveria renunciar a seu cargo público, e Veja, que pediu desculpas a seus leitores por ter construído uma imagem falsa de Sergio Moro.

Dezessete especialistas internacionais em corrupção assinaram uma carta dizendo que nossas reportagens mostram corrupção bem grave por parte de Moro e da força-tarefa da Lava Jato. Tudo mudou no STF também, terminando com Lula saindo da prisão determinada pelo ex-juiz. A reação de quase toda a mídia brasileira, com poucas exceções, e a reação internacional mostram que essas reportagens são extremamente importantes.

Sergio Moro obviamente diria que não é tão importante, que é bobagem, mas ele sabe que isso não é verdade.

Apesar das denúncias publicadas até agora, a popularidade de Sergio Moro segue em alta. Ao que atribui isso?

Vários veículos da mídia ficaram cinco anos construindo a imagem pública de Moro sem questionar, sem criticar, sem investigar. Isso não será destruído depois de alguns meses de reportagens, mas já tem pesquisas mostrando que a popularidade de Moro caiu.

Sim, ele é o ministro mais popular do governo Bolsonaro, mas ser mais popular que Damares e Salles não é uma coisa muito grande. Obviamente, o comando de Sergio Moro é muito reduzido, não por causa da nossa reportagem, mas porque ele foi para o governo Bolsonaro, revelando que tinha ideologia de direita ou extrema-direita, exatamente como seus críticos falaram durante muitos anos.

Acho que o impacto para Moro e Lava Jato é muito grande. Mesmo os apoiadores e aliados dele disseram que isso foi uma coisa bem difícil eticamente. Publicamos conversas entre a força-tarefa da Lava Jato e procuradores do Ministério Público, falando que ao decidir ir para o governo ele iria destruir o legado da Lava Jato.

O The Intercept diminuiu o ritmo de publicação de matérias da Vaza Jato nos últimos meses. Há algum motivo para isso?

A mesma coisa aconteceu em reportagens que eu comecei com artigos grandes. Nosso princípio era o mesmo do caso Snowden, ou seja: publicamos quando o material está pronto jornalisticamente para publicar. Obviamente, no começo a gente publica o material mais fácil, mais simples, mais claro, que exige menos trabalho, menos pesquisa. Depois de dois meses, quatro meses, a reportagem se torna mais difícil, tem que fazer mais pesquisa para botar tudo no contexto, exige mais trabalho.

Agora é mais difícil, aprofundamos nossa pesquisa nos arquivos e isso está exigindo mais jornalismo, mais pesquisa, mais investigação para completar a reportagem. É só por isso. Não tem nenhum outro motivo, além do jornalístico. Tem mais material. Muitas vezes, eu disse que estávamos mais perto do começo que do final. Agora falaria que estamos mais perto do final que do começo. Mas ainda temos muito trabalho a fazer e vamos continuar fazendo.