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Chico Alves

O recado de Gabriela Prioli: pelo fim do "achismo" no debate político

Gabriela Prioli, da CNN Brasil (Reprodução) - Reprodução / Internet
Gabriela Prioli, da CNN Brasil (Reprodução) Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

29/03/2020 17h06

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A chegada da CNN Brasil deve ser saudada como boa notícia em um país onde a Globonews pontificava solitária no nicho das emissoras "all news" (BandNews e Record News estão bem atrás). Afinal, diversidade é sempre bom. Desde o início, no entanto, incomodou o clima de Fla x Flu instaurado pela emissora em alguns de seus debates políticos. A ênfase na polarização e no "achismo" (tipo de argumentação em que a opinião sem base nos fatos ignora as evidências científicas) parecia um erro.

O gesto da advogada Gabriela Prioli, que hoje anunciou o desligamento do canal, confirma essa impressão. Os argumentos de Gabriela para deixar a emissora vão além das justificativas clichês que normalmente se verificam nessas ocasiões. Sua explicação não tem nada a ver com a de celebridade que abandona uma atração televisiva. Ela tomou uma a atitude política.

Confesso que não conhecia Gabriela Prioli antes de vê-la na CNN — e reconheço que esse foi um importante serviço prestado pela emissora. No programa de debates que dividia com Caio Coppolla e Tomé Abduch, ela era um oásis de informação, sensatez e conhecimento em meio a um deserto de desinformação, fake news e discriminação espalhadas por seus opositores.

A moça teve até muita paciência com as mensagens de ódio à política, preconceito contra os pobres e performances cujos únicos objetivos eram atiçar direitistas ao debate irracional. A presença de Gabriela em tal discussão, com sua vasta cultura e poder de argumentação, servia apenas para legitimar os adversários no debate, gente que está a milhões de anos-luz em termos de preparo intelectual.

Em vários programas, Tomé Abduch (de quem nunca tinha ouvido falar) referiu-se de forma preconceituosa às parcelas mais pobres da população. Mesmo que a advogada tivesse protestado de forma veemente, era lamentável que suas ideias fossem desperdiçadas em bate-boca tão estéril.

O desligamento da emissora foi sustentado por ela em argumentos sólidos. "Não posso legitimar que o achismo seja equiparado ao conhecimento científico nem contribuir para acirrar a polarização", escreveu no Twitter.

Diante da argumentação, é preciso aplaudir Gabriela pela coragem do gesto. Chega de incentivar o debate sem base, apenas para conquistar likes e audiência. Basta de fazer da discussão política uma extensão dos debates esportivos, onde cada um pode falar qualquer asneira, sem embasamento, para arrematar a cada contestação: "Essa é a minha opinião".

Opiniões sem base nos fatos não valem nada. Só servem para confundir, como no caso da terra plana, do movimento antivacina ou do Saci Pererê. Nesse momento tão sério, o Brasil carece de racionalidade, ciência, bom senso.

Em outro programa da CNN, vi o "debate" da socióloga Sabrina Fernandes com a "ativista política" cubana Zoe Martinez (naturalizada brasileira e ferrenha anticomunista) sobre se era correto chamar o coronavirus de vírus chinês. O tema da discussão, por si só, já a desqualifica. Além disso, desde quando ser "ativista politica" credencia alguém para debater com um profissional de Sociologia?

Espero sinceramente que esses deslizes possam ser creditados aos momentos iniciais de uma emissora que certamente vai se aperfeiçoar com o tempo. A política é coisa séria e ninguém ganha ao transformar a discussão do tema em algo parecido com os testes de DNA do Programa do Ratinho.

A emissora tenta demover a advogada da ideia. Vamos ver se conseguirá.

De qualquer forma, a decisão de Gabriela Prioli pode servir de alerta não só à CNN, mas também a todos que pretendem tratar do tema. Vamos olhar a política com seriedade, antes que a vaca vá definitivamente para o brejo.