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Chico Alves

Os boêmios do Leblon brindam ao coronavírus

Bares do Leblon - Reprodução TV Globo
Bares do Leblon Imagem: Reprodução TV Globo

Colunista do UOL

03/07/2020 12h06

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Na noite passada, os bares voltaram a abrir no Rio de Janeiro. Em muitos lugares, como no Leblon, o movimento foi tão grande que a quinta-feira ganhou ares de sábado. Amigos mataram a saudade, relembraram histórias, deram gargalhadas, beberam muito.

No entorno dessas pequenas ilhas de descontração, a maior parte da população continuava limitada pelo isolamento social iniciado há quase quatro meses. De suas casas, alguns desses cidadãos isolados certamente devem ter ouvido o barulho alegre dos boêmios, o som da algazarra agitando a noite.

Também eles gostariam de se divertir e aliviar um pouco a exaustiva rotina de tantos dias presos em casa, saindo apenas para tarefas essenciais. Adorariam beber uma cerveja, bater papo furado, sentir o clima noturno. Até para manter a sanidade mental.

Resistem, porém, e continuam trancados. Por medo de contaminar-se e de contaminar os outros, conhecidos ou não. Ou por ter na família e entre os amigos alguém que os fez testemunhar o pesadelo da covid-19.

Já os que voltaram aos bares cariocas, assim como o prefeito Marcelo Crivella e o governador Wilson Witzel, que liberaram o funcionamento dos estabelecimentos, parecem encarar a pandemia como um fato da vida, algo inevitável contra o que não adianta prevenção.

Afinal, todos vamos morrer um dia, como lembrou há três semanas o presidente e filósofo Jair Bolsonaro.

A turma que se aglomerou nos bares na noite de ontem tentava escapar do baixo astral, das bad vibes, do pessimismo generalizado. "Vamos celebrar a vida que a morte é certa", poderia ser o lema dos convivas.

No momento em que enchem seus copos, o estado do Rio chega a mais de 10 mil mortos e se mantém com a maior taxa de letalidade do país.

Hospitais que deveriam servir de referência para a pandemia não funcionam, profissionais de saúde não dispõem de medicamentos para UTIs e o governo estadual desperdiça em contratos suspeitos grandes somas de dinheiro público que seriam para o combate à covid-19.

"Mas... e daí?", perguntaria nosso pensador presidencial.

Os boêmios do Leblon estão de volta. Cansaram dessa chatice de coronavirus e já procuram a próxima tendência internacional para animar as rodas de conversas.

Parecem rir de nós, que continuamos respeitando o isolamento social. Devem seguir outra máxima bolsonariana, segundo a qual "o vírus está aí e temos que enfrentá-lo como homens, não como moleques".

Não serão 60 mil mortos que vão estragar a vida noturna dessa rapaziada. No máximo, se lembrarem do assunto em.plena bebedeira, alguém se dê ao trabalho de levantar o copo no meio da roda para brindar: "Saúde!"