Topo

Chico Alves

Os militares são vítimas do complexo de superioridade

farda de general de exército, com quatro estrelas - Reprodução
farda de general de exército, com quatro estrelas Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

17/07/2020 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Nem é preciso entrar na discussão sobre genocídio. A verdade é que a gestão catastrófica do Ministério da Saúde durante a pandemia resultou (e ainda resultará), dizem os especialistas, em milhares de mortes que poderiam ser evitadas. E, sim, a maior responsabilidade por esse fracasso vai para a conta dos militares, que acataram a ordem absurda do presidente Jair Bolsonaro e promoveram uma intervenção na pasta.

Do ministro interino, Eduardo Pazuello, ao segundo escalão, 26 figuras oriundas da caserna desalojaram dos cargos especialistas renomados em epidemiologia e infectologia para instalar ali uma barafunda.

Os fardados também estão em postos-chave da política do meio ambiente. O vice-presidente, general da reserva Hamilton Mourão, passou a pilotar o Conselho da Amazônia, escanteando o próprio ministro Ricardo Salles. No principal órgão de monitoramento da devastação da floresta amazônica, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os militares montaram estrutura paralela, que coloca em risco a autonomia científica da instituição, denunciaram em carta os pesquisadores. Tudo sob a batuta do coronel da Aeronáutica Darcton Damião, diretor interino.

A gestão ambiental brasileira, como se sabe, é alvo de críticas internas e externas, a ponto de fazer investidores trilionários darem meia-volta.

Os dois exemplos negativos não comprovam que os militares são piores gestores que os civis. Mas comprovam que tampouco são melhores, como a maioria deles imagina.

Essa certeza de que estão acima dos demais brasileiros faz muito mal aos integrantes das Forças Armadas. Com a obstinação de quem é formado para enfrentar guerras, eles se orgulham de não rejeitar missões determinadas por seus superiores, sejam elas quais forem. Em um campo de batalha, onde qualquer desobediência pode representar grande prejuízo para o grupo, essa qualidade vale ouro. Na vida civil, porém, não basta aceitar as tarefas, é preciso dar conta delas com eficiência.

A afirmação a seguir talvez soe mal nos quartéis, mas é preciso derrubar uma lenda: não é o fato de usar farda que garantirá a qualquer pessoa sucesso em uma empreitada. Por incrível que pareça, tanto militares quanto civis são feitos do mesmo barro e não há motivo para achar que um grupo possa ser mais competente, disciplinado ou dedicado que o outro. Basta que cada um fique no seu quadrado.

Assim como o cirurgião não tem obrigação de saber desmontar um canhão, também um coronel não é obrigado a saber fazer uma cirurgia. Se realizarem bem as missões de logística, integração nacional e segurança do território, suas especialidades, as forças já estarão justificando a existência.

O presidente Bolsonaro, porém, enxerga aqueles que passaram pela caserna como coringas e os coloca para atuar nas mais diferentes áreas — desde sua posse, 2.500 deles foram nomeados para cargos de chefia, informa matéria de Camila Mattoso e Ranier Bragon, na Folha de S. Paulo.

Infelizmente, quem sofre de complexo de superioridade também perde a autocrítica. Isso explica porque os militares lidam tão mal com qualquer reparo feito ao seu desempenho, como se observa na gestão da saúde e do meio ambiente. Não importam as falhas que os críticos apontem, o reconhecimento do fiasco nunca é feito. Esse seria o primeiro passo para melhorar o que não anda bem.

Mesmo diante do recorde diário de mortes pela covid-19 ou das medições que revelam desmatamento crescente, os oficiais no poder comportam-se como se estivesse tudo correndo às mil maravilhas. Por mais crítica que a situação esteja, tornou-se comum ver um general ou coronel de terno e gravata aparecer em entrevista coletiva na tela da TV e declarar serenamente, para desespero dos brasileiros: "Estamos indo muito bem".