Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Em segundos, ministro Ramos resume desorientação do governo na pandemia
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Pobres historiadores do futuro. Não será nada fácil para eles explicar aos jovens de 2068 ou 3095 o que acontece nesse Brasil dos nossos dias. A inacreditável condução do combate à pandemia de coronavírus pelo governo federal é o ponto alto desse tempo amalucado. O negacionismo, a indicação de remédios ineficazes, o desdém pela vacina, a oposição a tudo o que a ciência indica como fórmula de prevenção à doença - é uma profusão de sandices.
São tantas as ações e as falas desmioladas de Jair Bolsonaro e sua equipe que começou ontem no Senado uma CPI para averiguar os principais erros. Os senadores terão muito trabalho para inquirir sobre mais de um ano de ações desencontradas na crise sanitária, que deram colaboração decisiva para a marca de 400 mil mortes.
Além dos marcos factuais, há uma peça que pode traduzir fielmente o pensamento delirante do presidente da República e o papel lamentável dos integrantes do governo. É o áudio divulgado pela rádio CBN em que o ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, revela durante reunião no Palácio do Planalto que foi "escondido" tomar a vacina contra a covid-19 . Diz também que tenta convencer o presidente a fazer o mesmo.
O trecho em que o ministro Ramos, um general da reserva, conta como foi imunizado na surdina é especialmente humilhante para alguém que detém essa patente e ocupa cargo de importância.
"Tomei, foi em Brasília, ali no Shopping Iguatemi, tomei escondido porque a orientação era para todo mundo ir para casa, mas vazou. Mas tomei mesmo, não tenho vergonha não", disse Ramos aos presentes, entre os quais o ministro Paulo Guedes. "Eu tomei e vou ser sincero porque eu, como qualquer ser humano, eu quero viver. Eu tenho dois netos maravilhosos, eu tenho uma mulher linda, eu tenho sonhos ainda. Então, eu quero viver, pô. E se a ciência, a medicina, fala que é a vacina — né Guedes? —, quem sou eu para me contrapor?".
O que pensarão os pesquisadores das próximas gerações sobre um país em que, no meio à maior pandemia desde o surgimento da humanidade, um ministro de Estado tem que se vacinar na moita para não levar pito do presidente?
Depois que a gravação foi tornada pública, a Casa Civil soltou nota desmentindo a fala do ministro. A alegação no texto é que ele "apenas não quis fazer desse momento um ato político". Mas não esclarece o trecho em que o chefe da pasta diz que "a orientação era para todo mundo ir para casa, mas vazou".
Em outro momento da reunião, o ministro Ramos confessou que tenta fazer com que Bolsonaro tome a vacina: "Estou envolvido pessoalmente, tentando convencer o nosso presidente, independente de todos os posicionamentos. E nós não podemos perder o presidente para um vírus desse. A vida dele no momento corre risco. Ele tem 65 anos".
Ao saber disso, os jovens das próximas décadas certamente se perguntarão como, diante de tantas mortes e casos confirmados, o responsável por dirigir a nação ainda poderia duvidar do perigo que o coronavírus representa. A ponto de um dos ministros tentar convencê-lo a se imunizar.
Tomara que encontrem a resposta.
O grande desafio de quem levantar esses fatos históricos será explicar como chegamos até aqui, com figuras desse tipo alçadas aos cargos mais importantes do país.
Mergulhados em perplexidade, nós, contemporâneos de Bolsonaro e dos bolsonaristas, talvez não tenhamos explicação convincente para isso. Podemos, no entanto, mandar um recado aos pósteros: aí no futuro é mais seguro.
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